29 agosto, 2007

Democratização liberal

O João Rodrigues, no Ladrões de Bicicletas, diz quase tudo o que há a dizer sobre o mais recente artigo de Vital Moreira no Público, nomeadamente quando afirma não compreender como é que “o novo regime de crédito para estudantes do ensino superior é parte do processo de democratização do acesso à universidade”.

De facto, a experiência nos países que já seguiram esse caminho – conjugado com o aumento de propinas, também proposto por Vital Moreira - demonstra precisamente o contrário. Em Inglaterra, quando essa questão se colocou, surgiram várias notícias indicando que 63% dos jovens que não pretendiam frequentar o ensino superior faziam-no com receio do endividamento. Os elevados custos da frequência universitária são, também, uma das razões apontadas para o maior abandono escolar e percursos académicos mais curtos dos estudantes mais pobres (normalmente em escolas técnicas).

Num país como o nosso, em que todos os dias surgem notícias sobre a precariadade laboral da "geração 500 euros" e os 56 mil desempregados licenciados, não é difícil perceber as consequências sociais da generalização de um sistema de empréstimos associado ao aumento das propinas. É a fórmula mais certa para afastar os mais pobres do ensino superior e nunca para o democratizar, como parece acreditar Vital Moreira.

Os defensores do sistema de empréstimos não se cansam de dizer que esta medida chega atrasada ao nosso país, dando o exemplo dos EUA ou da Inglaterra. Deviam olhar com mais atenção, ler um bocado, e constatar que nem sempre é mau estar atrasado. Dá tempo para evitar os erros que outros já cometeram. Pena é que a lógica liberal se sobreponha, quase sempre, às evidências nas decisões mais estratégicas para o futuro do país.

5 comments:

Anónimo disse...

Porque é que o vosso "feed" RSS está truncado?

Anónimo disse...

Os 63% de ingleses com receio do endividamento como faziam se não houvesse essa ferramenta? Frequentavam o ensino superior? Ou não frequentavam pq não têm meios financeiros para o fazer?
Mantendo tudo o resto constante tb me parece que a medida democratiza o acesso! Dever-se-ia começar a amortizar após arranjar emprego e não 1 ano após o final do curso e sem a certeza de estar empregado!

Pedro Sales disse...

Nuno,

O problema não está apenas nos empréstimos, mas na sua conjugação com um regime de propinas altíssimo: 4500 euros. É isso que afasta os mais pobres das universidades. A única solução passa pela acção social escolar e um regime de bolsas estatais.

Anónimo disse...

Objectivamente concordo que seriam essas as medidas que de facto democratizariam verdadeiramente o acesso! O constrangimento económico desapareceria!
Parabéns pelo excelente blog q acompanho diariamente!
Cpmts

Marques disse...

Pedro

Acho que não é correcta a avaliação que fazes do sistema Inglês. Essa estatística poderia ser válida também para Portugal, apesar de as propinas serem mais baixas. Mais, conheço pessoas que não foram para a Universidade quando ainda nem sequer haviam propinas exactamente porque os pais disseram que não tinham dinheiro para o fazer.

Mas mais importante do que isso é verificar que no sistema Inglês apesar de um decréscimo de candidaturas no ano seguinte à introdução de propinas (ou seja em 2006), em 2007 as candidaturas ás Universidades Inlgesas voltaram a crecer 7%. Mais, curiosamente o crescimento nas Universidades Escocesas, onde o parlamento regional decidiu não aumentar as propinas da mesma forma, cresceram muito mais devagar.

http://news.bbc.co.uk/1/hi/education/6360327.stm

Além disso olhando para a percentagem de alunos do ensino secundário que se candidatam á Universidade tanto em Inglaterra como nos EUA apenas demonstra que o valor das propinas não é a questão mais importante no momento de tomar essa decisão. O que interessa é o valor que as pessoas dão à educação e a expectativa que têm de melhorar a sua vida quando obtiverem essa educação. Se essa expectativa existir facilmente os indivíduos investem, da mesma forma que investem numa casa pedindo um empréstimo ao banco.

Por último, apesar de o número de licenciados no desemprego ter vindo a aumentar, as estatísticas mostram que um licenciado ainda tem muito mais facilidade em arranjar um emprego que um não licenciado.