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01 fevereiro, 2008

É bonito de se ver, sim senhor

Não deixa de ser curioso ver como alguns dos liberais que passam todo o ano a defender a meritocracia para atacar qualquer direito social, estão entretidos numa desenfreada competição para ver quem é que faz a mais ardente defesa de um regime que entrega a chefia do Estado à casualidade fortuita do encontro entre um espermatezóide e um ovócito.

22 janeiro, 2008

Anyone but Bush

(Dados até 2006. Informação mais detalhada no Wall Street Journal)
A verdade é que para demasiada gente, não importa quem vai entrar na Casa Branca. O que importa é quem vai sair: Bush. (...)Tal como aconteceu com Bill Clinton em 2000, não há neste momento quem não tenha queixas contra Bush.

A tese de Rui Ramos é simples. Todas as eleições nos EUA são um plebiscito ao presidente cessante. O que está a acontecer com Bush este ano não tem nada a ver com a natureza das suas políticas, mas sim com a forma como a política norte-americana está estruturada. É sempre assim, e já o mesmo tinha acontecido anteriormente com Clinton. Nada mais falso. Como se pode ver no gráfico acima, que agrega as taxas de popularidade de todos os presidentes norte-americanos desde o pós-guerra, Clinton foi o único que abandonou o cargo com uma taxa de aprovação superior à do dia que tomou posse. Desde que a Gallup faz estes estudos, aliás, ninguém abandonou o cargo com um popularidade tão elevada. Mas Rui Ramos recorre a outra analogia para defender Bush. Só podemos analisar o seu legado daqui a umas décadas, pois o que agora se diz de Bush já antes se dizia de Reagan, a quem foram precisos 20 anos para "toda a gente reconhecer virtudes a um outro “cowboy estúpido”, cuja presidência aliás também terminou de rastos". Não sei, novamente, onde é que Rui Ramos foi arranjar estes dados, mas está outra vez errado. Reagan acabou a sua presidência com índices de popularidade próximos dos 60%, sendo mesmo o presidente republicano mais popular das últimas seis décadas, enquanto Bush anda pelos vinte e pouco por cento (abaixo de Nixon quando este foi destituído).

Compreende-se o embaraço dos guerreiros de sofá que apoiaram Bush na mentira do Iraque, e em sucessivos abusos em nome da "guerra ao terror", com a rejeição popular sem precedentes de que goza o "seu" homem. De resto, a forma como Rui Ramos recorre à mistificação mais absurda - ignorando ou "esquecendo" todos os dados conhecidos - é bem reveladora da forma como, contra todas as evidências, continuam agarrados à defesa acrítica do homem que um dia aterrou nas Lajes para abraçar Durão e envolver meio mundo numa mentira sem nome.

02 janeiro, 2008

As novidades chegam sempre atrasadas à província


"A universalidade e gratuitidade deste tipo de serviços - saúde, educação e segurança social -, é exactamente aquilo que é insustentável. É a ideia do modelo social europeu. É completamente insustentável". Pacheco Pereira, balanço de 2007 para o Expresso.


Não deixa de ser curioso que a assumpção liberal de Pacheco Pereira ocorra precisamente quando, do outro lado do Atlântico (e no único país industrializado onde se quebrou o mito da universalidade e gratuitidade deste tipo de serviços), todos os candidatos presidenciais se esforçam para apresentar planos que, de uma forma ou de outra, garantam cuidados de saúde aos 46 milhões de cidadãos que não têm direito a qualquer assistência, pública ou privada. O fim da universalidade e gratuitidade deste tipo de serviços tem vítimas. E quando Pacheco Pereira diz que o modelo social europeu é insustentável, não deve ter perdido muito tempo para reparar que os EUA, despendendo percentualmente o dobro de qualquer outro país, têm piores indicadores de saúde e deixam um sétimo da sua população ao abandono. O mesmo na educação, onde os eleitores americanos têm sistematicamente rejeitado em referendo a introdução do cheque ensino, e, no único estado onde este se encontra em vigor, os custos públicos com a educação têm disparado descontroladamente.

Se é assim nos EUA, imagine-se as consequências sociais de colocar um ponto final na universalidade dos cuidados de saúde ou educação, num país com dois milhões de pobres e onde o Estado considera rica qualquer família que se governe com dois mil euros por mês. Insustentável é esta lógica liberal, assente na sistemática campanha contra os serviços sociais prestados pelo Estado, e que nos quer fazer crer que é inevitável o fim da universalidade das prestações sociais, porque sim. Insustentável, porque é uma violência social, e insustentável porque não tem nenhuma sustentação nos factos e nos números.

Leitura recomendada: The Free Market: A False Idol After All?, no New York Times.

19 dezembro, 2007

Bons velhos tempos


A direita blogosférica está exultante com os "sólidos" "fundamentos teóricos" da crítica da Juventude Popular à existência de um salário mínimo nacional. É uma restrição à liberdade contratual entre empresas e funcionários, dizem-nos. Pois é. A propósito, vale a pena lembrar este filme pouco conhecido sobre as relações laborais totalmente livres.

PS: Como se vem tornando habitual, as respostas mais sólidas a este disparate podem ser lidas nos ladrões de bicicletas, aqui, aqui e aqui.

29 novembro, 2007

Relativismo liberal

Para a direita o Estado não é uma pessoa de bem quando não paga a tempo e horas aos seus fornecedores, mais a mais porque estas dívidas põem em causa a viabilidade de muitas pequenas e médias empresas. É verdade. Dão tanta importância ao assunto que o PP entregou esta semana uma petição no Parlamento a exigir a publicação na net destas dívidas. Agora, quando o PSD se prepara para bloquear a câmara de Lisboa ameaçando inviabilizar um empréstimo de 360 milhões de euros para pagar as dívidas aos fornecedores que este mesmo partido deixou, os blogues liberais uniram-se para apoiar o PSD e criticar a gestão da autarquia. “O socialismo é caro”, dizem, numa aparente crítica a Santana e Carmona que deixaram as contas neste bonito estado.

Agora já não lhes interessa a viabilidade das pequenas empresas, nem o bom nome da autarquia. Menos ainda querem saber da boa gestão dos dinheiros públicos, passando à frente do “pormenor” da câmara estar a pagar 11% de juros de mora aos fornecedores e do empréstimo, que tanto criticam, ter uma taxa abaixo dos 5%. “Ainda não é desta”, diz o JCD, lamentando-se que não esteja a ser seguida a única receita que os liberais conhecem: “diminuir o quadro de pessoal da câmara, cortar subsídios”. Fica, por saber, claro, como é que isso resolvia os 360 milhões de dívida de curto prazo a fornecedores que ameaçam cortar as relações com a autarquia deixando a capital ingovernável. A realidade nunca assumiu uma grande prioridade nas suas preocupações. É esse o problema dos “nossos” liberais. Têm umas ideias engraçadas para manter uns blogues catitas e escrever umas coisas na imprensa. Mas é inapresentável nas urnas. Valha-nos isso.

12 novembro, 2007

Se o mercado não tem responsabilidade social, entreguemos as escolas ao mercado


Milton Friedman Choir - The Corporation

A "liberdade de escolha" não convence ninguém

Reparo, com algum atraso, que no Utah, um dos estados norte-americanos mais conservadores, os eleitores rejeitaram o tão falado cheque ensino. Foi a décima vez, desde 1972, que uma proposta idêntica foi referendada num estado norte-americano. Foi a décima vez que foi rejeitada pela população. Para quem passa a vida a defender o cheque-ensino com base na suposta liberdade que atribui aos cidadãos, convenhamos que a rejeição sistemática a que estes votam esta proposta devia fazer os seus proponentes pensar duas vezes. Talvez evitassem continuar a defender o cheque-ensino com base numa estapafúrdia comparação entre o sistema de ensino e as padarias.

Na sua coluna de hoje no Público, Pedro Magalhães faz uma justíssima referência a um blogue, dizendo que "é verdadeiramente espantoso como, em poucos dias após a divulgação dos rankings, um blogue de um economista não académico (Miguel Madeira, no Vento Sueste) tenha feito mais pela análise dos resultados que centenas de técnicos do Ministério da Educação e dezenas de professores universitários supostamente especialistas em políticas educativas nos últimos sete anos". Só ontem à noite, numa tardia vista de olhos pelo Technorati, reparei nos dados apresentados pelo Miguel Madeira. Ainda não os li todos com a atenção que merecem. Mas é um contributo imprescindível para uma melhor compreensão dos rankings.

09 novembro, 2007

O país visto por uma folha de Excel

O professor Luís Campos e Cunha assina hoje, no Público, as suas “lições sobre consolidação orçamental”. Fazendo a destrinça entre cortes horizontais e verticais, elogia os últimos que, afirma, são os mais “importantes” porque permitem mudar qualitativamente o funcionamento do Estado. Dá um exemplo. Se o Governo cortar 5% nas transferências para o ensino superior, “a universidade fica marginalmente pior, os alunos com computadores com cinco anos, em vez de quatro, e eventualmente mais suja, mas nada se altera”. Mas, se cortar 50% de uma só vez, “então tudo muda” e a “instituição ajusta-se ao novo regime”. Como? “fecha cursos inúteis”, encerra serviços dispensáveis, manda funcionários para os disponíveis, trata de arranjar novas receitas, aumenta as propinas para quem puder pagar, será mais activa no fund rainsing, procurará parcerias com as empresas”.

Vejamos, então, as propostas de Campos e Cunha. Apesar da anacrónica profusão de cursos existente, encerrar os “inúteis” só muito marginalmente reduziria os custos. Portugal é o pais da Europa com maior número de cursos e, ao mesmo tempo, o que menos gasta no ensino superior (7200 euros por aluno, quando a média da OCDE já vai nos 11 254 – dados de 2006). Não há nenhuma relação directa entre os dois. O financiamento está indexado ao número de alunos e docentes, não de cursos. Depois, devia saber que as faculdades já têm as propinas no valor mais alto permitido por lei. Novo aumento de propinas só com nova Constituição (o valor actual está indexado às propinas da ditadura – quando o ensino superior era para uma elite, curiosa ironia – e foi calculado precisamente para contornar a questão da tendencial gratuitidade da educação).

Resta o fund raining, novas receitas e parcerias com as empresas, três propostas para encontrar sempre o mesmo problema: o reduzido interesse das empresas nacionais em investir na investigação. A OCDE recomenda uma despesa de 3% do PIB em investigação científica, um terço dos quais a cargo do Estado e o resto proveniente da iniciativa privada. Em Portugual, funciona tudo ao contrário. O Estado, que nem investe assim tanto, é responsável por 70% da investigação, enquanto as empresas apenas assumem 30% dos custos em I&D. O pior valor de toda a Europa. O problema não é só o chavão das universidade viverem de costas voltadas para as empresas, é que a maioria destas tem muito pouco interesse em arriscar e inovar.

É este o país que temos. Algo que Campos e Cunha parece que não perceber, baseando-se nas propostas de um ex-ministro sueco. Portugal é o país mais pobre dos 15, com menores qualificações e que menos gasta no ensino superior, mas a solução liberal é aumentar propinas e cortar nos serviços sociais (não por acaso, os únicos gastos que refere no texto são com a educação e saúde). É o problema de ver o país através de uma folha de Excel, até dá para elogiar “os ganhos de eficiência na saúde”. Só lhe falta explicar isso aos 380 mil que esperam por uma consulta no SNS e aos 200 mil que esperam por uma cirurgia. Deve ser canja.

02 novembro, 2007

O papel social do Estado: discriminar positivamente os ricos

Para os detractores da escola pública, um dos sinais da sua falência é que os ricos e a classe média alta colocam os seus filhos em colégios privados. Uma situação que retira a liberdade de escolha das famílias que, mesmo colocando os seus filhos num colégio, continuam a pagar o sistema de educação público. A solução, dizem, é implementar o cheque ensino.

Todos os indicadores demonstram que os ricos e a classe média alta colocam os seus filhos no ensino superior público, restando aos mais pobres e remediados o recurso às faculdades privadas. A solução para os defensores do cheque ensino: ficar como está.

Quando os ricos escolhem uma escola privada, alguma direita defende que se entregue directamente o dinheiro às famílias para acabar com esta dupla tributação. Curiosamente, quando os pobres e a classe média baixa são empurrados para uma escola privada, continuando a pagar com os seus impostos a faculdade dos ricos, já ninguém os ouve a falar da liberdade de escolha. Significativo.

PS: Não vale a pena dizer que o cheque ensino não tem razão de ser no ensino superior porque este não faz parte da escolaridade obrigatória. O ensino secundário também não e isso não inibe que defendam o cheque ensino para este nível educativo.

A (i)responsabilidade das escolas privadas

Em resposta aos posts aqui publicados sobre os rankings, o João Miranda diz que eu respondi à sua critica da incapacidade da escola pública para “anular os efeitos do meio socioeconómico” tentando demonstrar que as escolas privadas também não o conseguem. Vamos por partes. São os defensores do cheque ensino quem, de há seis anos a esta parte, chamam a atenção para a dicotomia entre os resultados do privado e do público para dizer que primeiras são melhores e mais exigentes. Uma barulheira danada por causa de uma diferença de 0,7 valores. Uma assimetria menor do que a revelada entre as escolas do interior e litoral, ou entre escolas grandes e pequenas. E isto, num sistema que escolhe os seus alunos à partida e, desses, os que leva a exame nas suas instalações.

A partir daqui o João Miranda entra em piloto automático. “As escolas privadas não são uma questão pública. As escolas públicas é que são. As escolas públicas é que têm de ser avaliadas pela capacidade de atingirem os objectivos para os quais foram criadas. As escolas públicas é que têm que justificar o dinheiro que lhes pagamos". Desculpe lá, mas as escolas privadas também são uma questão pública, mais não seja porque os estudos de cerca de cem mil estudantes dessas escolas são pagos com dinheiros públicos. São 3343 euros por ano por cada aluno, mais de 30 milhões de euros no Orçamento de Estado. O Estado paga a essas escolas privadas, ao abrigo de contratos de associação, para prestarem um serviço público de educação. O nome é explícito. Desde quando é que o dinheiro dos nossos impostos não é uma questão pública? Desde quando é que as qualificações do país não são um questão pública?

"Uma escola privada que não vence os efeitos do meio socioeconómico é um facto da vida. Uma escola pública que não vence os efeitos do meio socioeconómico é uma prova da inutilidade da escola pública", continua o João Miranda. Aqui já entramos noutro registo. A escola privada não é melhor, como passam a vida a dizer, as suas exigências é que são exíguas. Deve ser mais “um facto da vida”. Ao chamar a atenção para o meio socioeconómico, os defensores da escola pública não estão a reconhecer que esta é um falhanço e que não cumpre a sua função, como assevera o João Miranda, mas sim a dizer que - apesar de todos os defeitos, erros e problemas criados ao longo dos últimos 30 anos - a escola pública foi, e é, o mais eficaz mecanismo de mobilidade social existente no país.

PS: Sobre este tema, ler também o artigo de Pedro Lomba, no DN, e de Vital Moreira, no Público.

30 outubro, 2007

A distopia liberal sobre a escola pública III

A conversa sobre as virtudes da escola privada acaba, quase sempre, na desigualdade de condições entre uma, que tem que cobrar propinas, e outra que fica à borla. É preciso acabar com isso, dizem, no país em que o Estado mais apoia o ensino privado. Mais de um terço dos alunos nos colégios privados são financiados por dinheiros públicos, aos quais o Estado entraga 3343 euros por cada aluno. Não chega. A solução, dizem os defensores das virtudes privadas, é o cheque-ensino. Cada família recebe o dinheiro do Estado e escolhe a escola onde quer colocar os seus “piquenos”. Uma solução que destrói a rede pública e que traz gastos acrescidos para o Estado, que a tem que manter, e, ao mesmo tempo, financiar as escolas privadas.

Por alguma razão, apesar de toda esta campanha e pressão para a privatização do sistema educativo, essa solução não existe em quase nenhum lado, à excepção da Suécia ou do estado do Milwaukee. Os resultados são os esperados. Os alunos não alteram os seus resultados escolares por estudarem em instituições privadas, segregação dos mais pobres dos pobres, votados a uma escola pública subfinanciada e de segunda, bem como o brutal aumento das despesas públicas (a fórmula de fianciamento deve mesmo ser alterada este ano para conter a despesa). A discussão não é de hoje, basta ver o que escrevia o New York Times em editorial há quase 10 anos.

“It is absurd to argue that public education can be improved by diverting huge amounts of tax revenue into parochial and private schools. A voucher plan, such as Milwaukee’s, does not reform anything. It is a funding mechanism that forces taxpayers to underwrite religious and private education. Improving education for all students, not just the few who manage to get vouchers, requires sustained community commitment and leadership. Vouchers are a convenient political diversion from that task.” It would be far better to increase public school funding to improve education for all the students”. Editorial do New York Times, 11 de Novembro de 1998.

A distopia liberal sobre a escola pública IV

Helena Matos, João Miranda ou Filomena Mónica passam a vida a falar dos perigos de uma educação estatizada. Não há liberdade de escolha, o ensino é pior. Uma balda onde ninguém é avaliado. Os indicadores internacionais não existem apenas para dizer que estamos atrás dos países nórdicos ou do leste europeu. Também nos servem para pormos os olhos nos outros e vermos que há países onde não há rankings, não há retenção de alunos com piores resultados, só é possível abrir uma escola privada com aprovação do Conselho de Ministros (e estão proibidas de cobrar propinas, recebem o dinheiro do Estado). Países onde existem menos de 40 escolas privadas, mas que são, ao mesmo tempo, classificados pelo insuspeito Fórum Económico Mundial como tendo o melhor ensino secundário do mundo. O país é a Finlândia e, segundo o estudo internacional de referencia, o PISA, os seus alunos costumam ter os melhores resultados mundiais a quase todas as disciplinas.

A distopia liberal é isto. Ideologia e preconceito contra o sistema público, baseada no aproveitamento demagógico do senso comum. Não tem nenhuma base, nacional ou internacional, que a suporte. É o preconceito de classe travestido de preocupação social. Tudo em nome da liberdade da iniciativa privada que, veja-se, só é verdadeiramente livre se for o Estado a financiá-la. E diz-se esta gente liberal.

16 outubro, 2007

A nova constituição explicada às criancinhas

A intelegentsia liberal reencontrou-se com Luís Filipe Menezes e o PSD. O insuportável populista de sexta-feira passou, quatros dias passados, a ser o líder que tem a lucidez de apontar o dedo à constituição, esse texto “programático” que viola “um dos princípios básicos da democracia liberal”.

Para quem não percebeu, à primeira, o que é que Menezes queria defender com propostas como ”separar a medicina pública da privada”, José Manuel Fernandes dedicou o seu editorial de hoje para explicar a matéria às criancinhas. Dos três anacronismos constitucionais que escolheu, dois são sobre a progressiva gratuitidade do serviço nacional de saúde e educação e o último sobre o direito das comissões de trabalhadores a intervirem na gestão das empresas (uma matéria que, como se sabe, só acontece em paraísos socialistas e economicamente atrasados, como a Alemanha, onde as comissões de trabalhadores têm lugar –imposto por lei – nos conselhos de administração).

“Uma constituição deve ser sobre os meios de governo, não sobre os fins do Governo”, diz José Manuel Fernandes escassos parágrafos antes de defender que uma nova constituição ”limite os défices públicos a todos os níveis”. Afinal, parece que o problema da constituição não é ser programática, é que o programa não é do agrado de José Manuel Fernandes.

Quis o acaso que, no mesmo dia em que Pacheco Pereira e JMF decidiram elogiar uma nova constituição que abra caminho ao fim da universalidade dos sistemas de educação e saúde, a Federação dos Bancos Alimentares contra a Fome tenha alertado para o crescimento da pobreza no nosso país e para o aparecimento de um novo fenómeno de pobreza, atingindo milhões de pessoas que, trabalhando, não conseguem viver sem os apoios estatais. No país mais pobre e com as maiores diferenças de rendimentos entre ricos e pobre da Europa, a solução milagrosa dos liberais é acabar com a (quase) gratuitidade dos principais serviços sociais. Está certo...

É a única forma de pormos um ponto final nas “mentiras piedosas” que têm evitado um maior “caos orçamental e económico”. Aqui, sou forçado a concordar com o director do “Público”. Se há alguém que pode falar de “cátedra” sobre caos económico é o director e administrador de um jornal que, sob a sua liderança, não pára de “perder” jornalistas, leitores e acumula resultados negativos todos os anos.

08 outubro, 2007

O eduquês do Presidente

Cavaco Silva diz-se empenhado na construção de “um novo olhar para a educação”. Para quem fala de novidade, convinha que trouxesse algo mais do que as propostas da Lei de Bases da Educação, da antiga maioria PSD/PP, e que foram vetadas por Jorge Sampaio. O “novo olhar” é a reciclagem do eduquês da direita. Onde a esquerda falhou - abdicando, quase sempre, de um discurso político em detrimento da micro-especialização pedagógica -, a direita resume tudo à presença da comunidade e de novas formas de gestão. O papel do Estado no combate às assimetrias, e a escola pública, nunca são referidos. São 15 minutos a falar da importância da comunidade, autarquias, pais, empresários, desportistas e por aí fora. Importante, sem dúvida, mas manifestamente pouco para cumprir o esforço de inclusão social de que fala.

Mas existe uma luz de esperança. Uma associação pela inclusão social, em Paredes, sublinha o Presidente da República. Infelizmente, é a mesma que já tinha levado os seus promotores, os “empresários pela inclusão social”, ao “Prós e Contras” no início do ano lectivo. Durante o longo tempo de antena de que dispuseram, falaram do desperdício financeiro no ministério e de como estão no terreno para, através de “boas práticas de gestão”, dar o exemplo à equipa da 5 de Outubro. Sobre as suas preocupações sociais, nada. A inclusão que os preocupa é outra. A do discurso liberal num negócio apetitoso como a educação. Entre os principais proponentes da iniciativa, Diogo Vaz Guedes. É um mãos largas este homem. Quando estava na Somague desembolsava as campanhas do PSD. Agora, paga as iniciativas apadrinhadas pelo Presidente da República. Sempre é um upgrade.

28 setembro, 2007

Desperdício público?

Os trabalhadores da General Motors voltaram ontem ao trabalho, depois de dois dias de greve que paralisaram as 80 fábricas do construtor nos EUA. Na origem do conflito estavam os cortes nos seguros de saúde dos 1,2 milhões de funcionários e reformados da empresa. A General Motors gasta mais em seguros de saúde do que no aço com que constrói os carros. São 5,2 mil milhões de dólares. Vale a pena comparar com o nosso Sistema Nacional de Saúde. São 11,2 mil milhões de dólares para 10 milhões de beneficiários, um custo por pessoa 4 vezes inferior.

A disparidade destes números, em benefício do sistema público, ajuda a perceber porque razão sendo os Estado Unidos o país que mais gasta em saúde, tem 46 milhões de cidadãos sem assistência médica e os seus indicadores não param de piorar. Quando os blogues liberais nos vierem novamente falar das virtudes da privatização de importantes segmentos dos serviços públicos, incluindo a saúde, vale sempre a pena lembrar este exemplo.

18 setembro, 2007

Por mail, até eu conseguia explicar que este senhor é competente

Ontem, no Prós e Contras, um ex-secretário de Estado da Educação do PSD debitou os chavões liberais do costume sobre a ineficácia da máquina administrativa do Estado e a necessidade de encontrar novos actores que retirem protagonismo ao ME, como os empresários e as famílias. Interpelado pela ministra para dar exemplos sobre a ineficácia organizacional do Estado, garantiu que é um dado objectivo secundado por vários estudos científicos. “Quais”?, perguntou Maria Lurdes Rodrigues. Depois de um longo silêncio, o melhor que consegiu inventar foi dizer que “posso enviar-lhos depois por e-mail”.

O problema é que, como José Portocarrero Canavarro reconheceu, este senhor já passou pelo ministério da Educação. Foram apenas 4 meses, disse, desculpando-se por o governo de Santana Lopes não ter tido mais tempo para aplicar o seu programa. Mas está a ser injusto. Foram apenas 4 meses mas deu para ficar na história. Como o (i)responsável pelo atraso de um mês no arranque do ano lectivo de 2004-05. Compreende-se que o homem considere que o Estado é incompetente. Ele, quando lá esteve, fez por isso.

25 agosto, 2007

O fado do 31

No 31 da Armada, o Francisco Mendes da Silva gostou tanto da forma como o Mário Crespo conduziu a entrevista a Francisco Louçã que até fez o favor de a resumir “para quem não viu”. Parece que ele também não, mas o que importam essas minudências quando se pode inventar que o Mário Crespo se queixou de que o seu computador estava a ser inundado de “hate mail” anónimo proveniente de computadores do Bloco de Esquerda. A entrevista pode ser vista aqui e, como se pode verificar a partir dos 14’ 35, nada disso é dito ou mesmo sugerido. Uma falsidade que, passados 4 dias, se mantém no blogue sem nenhum reparo dos autores.

Não é a primeira vez que, no espaço de uma semana, o 31 da Armada inventa declarações e sugere ligações que os seus próprios links desmentem. Não deixes que a verdade perturbe uma boa história, podia ser a máxima destes simpáticos rapazes que, apesar de passarem a vida a mandar piadas, não são para levar a sério.

Ai, ó larilólela, como este não há nenhum
Tudo bate em Portugal, o fado do 31

17 agosto, 2007

Os números são uma chatice

Esta semana, através de vários estudos do Eurostat e de pequenas notícias nos jornais ou suplementos económicos, ficámos a saber que os portugueses ganham menos 40% do que a média europeia e que o fosso salarial entre os mais ricos e os mais pobres em Portugal voltou a bater recordes, estando quase duas vezes acima da média europeia a 15. Ainda antes das alterações às reformas aprovadas pelo Governo, já somos o terceiro país onde as pessoas trabalham mais anos e se reformam mais tarde da Europa a 25. Com uma economia praticamente parada, as cem maiores fortunas do país cresceram quase 40% no último ano, e, se já se sabia que somos o segundo país da Europa com mais trabalhadores a prazo, o Eurostat veio dizer-nos que, nos últimos cinco anos, duplicaram os trabalhadores que estão nessa situação apenas porque não arranjaram outro trabalho.

A distância que vai entre estas notícias e o discurso que tomou conta de quase todas as colunas de opinião ou comentários televisivos é revelador do abismo, cada vez maior, entre a opinião publicada e o dia-a-dia dos portugueses. Não há dia que não sejamos bombardeados com a necessidade de manter e reforçar a contenção salarial, desregular um mercado de trabalho demasiado rígido e pouco flexível e cortar e limitar as regalias sociais de que gozam os trabalhadores. Nada disso bate certo com o que se passa no país? Não importa. O discurso liberal tornou-se um dogma (ganhando espaço mesmo entre a direita não liberal) e, de tanto repetir, as suas máximas tornaram-se verdades universais que não se discutem nem precisam de se confrontar com minudências como as estatísticas oficiais. A realidade dos números é um pormenor que não afecta o grande cenário. A ideologia é que conta. Até porque, como o Pacheco Pereira nos faz o favor de avisar semana sim semana não, o discurso da imprensa está tomado pela esquerda. O importante é continuar a pressão e evitar que as estatísticas oficiais tenham o destaque que merecem.

08 agosto, 2007

Geração rasca?

A produção científica em Portugal, medida pelo número de publicações, aumentou 23%, em 2006. Os 7527 artigos e outros escritos dos portugueses, referidos pelo Science Citation Index Expanded (SCI), colocaram, pela primeira vez, o país à frente da Irlanda (7350). Em 1990, Portugal publicava o equivalente apenas a um terço da produção científica irlandesa e 1/10 da espanhola. A distância para Espanha reduziu-se para 1/5, mas deve-se ter em conta que a população é quatro vezes maior.

Deliciosa ironia. Num país em que, há pouco mais de uma década, a taxa de analfabetismo estava nos dois dígitos, não deixa de ser engraçado que seja precisamente a tão vilipendiada geração rasca que o coloque, a tempo inteiro, no circuito europeu de investigação, publicação e divulgação científica. A única coisa rasca, e que não aparece na história, é um número significativo dos autores e investigadores citados faça este trabalho nas mais indignas condições de instabilidade profissional, ausência de direitos e protecção social (a esse propósito, vale a pena consultar o site dos Bolseiros de Investigação Científica).

Mas notícias como estas têm também outra vantagem. Garantem-nos algumas semanas de higiene mental sem ter que aturar a Maria Filomena Mónica, Fátima Bonifácio, António Barreto ou José Manuel Fernandes com a treta do costume sobre a excelência da universidade de antigamente, em detrimento dos madraços que evoluem agora no ensino superior. Numa série de artigos sobre o assunto, que durou várias semanas de arrasadoras críticas nas páginas do Público, José Manuel Fernandes escrevia (a 16 de Agosto de 2004) que "ano após ano os critérios de exigência e rigor vão decaindo perante estudantes que não correspondem e a última coisa que desejam é esforçar-se. Hão-de desenrascar-se, como tantos antes deles, e haverá sempre forma de um dia ganharem a vida pior ou melhor [...] Sem mudar os nossos paradigmas culturais dominantes, de nada servirá dar mais dinheiro à Educação: será dinheiro desperdiçado".

Essa distopia sobre a excelência do ensino de antigamente, leva-nos a um tempo em que os professores, na abertura do ano académico, conheciam os apelidos de todos os alunos, a quem já tinham dado aulas aos pais, tios e primos. A selectividade social garantia a excelência. Mas, seria mesmo excelente? Que investigação científica é que se fazia, então? Que actividade internacional é que tinham os nossos excelsos doutores do antigo regime? Onde é que publicavam as teses? Pois é, agarrar em meia dúzia de nomes famosos e prestigiados, como Nemésio, Lindley Cintra ou Prado Coelho, não nos diz rigorosamente nada sobre a qualidade media de uma universidade que era o espelho de um país atrasado no tempo e fechado sobre si próprio. Aquilo a que chamam excelência, em muitos casos, não passaria no crivo do mais laxista júri de doutoramento actual. Os investigadores nacionais da geração rasca são avaliados como nunca foram os seus predecessores: pelos seus pares internacionais. Excelência é isso, o resto é ideologia de quem parece ficar com problemas de pele com a massificação proporcionada pelo ensino superior público e o fim de uma universidade elitista e de casta.

Como é referido no artigo, nem tudo são boas notícias, sendo principalmente preocupante que “as restrições na concessão de bolsas de investigação vão acarretar uma diminuição da mão-de-obra científica”. Ao contrário da maioria dos países europeus, a investigação científica nacional ainda se encontra muito dependente do investimento público e do envolvimento das universidades do Estado. É que, se a despesa em investigação em desenvolvimento representa 0,8% do PIB, contra os 1,9% da União Europeia, a despesa privada representa apenas 20% da despesa total em I&D, contra os 2/3 europeus. Por isso, quando os suspeitos dos costume disserem que as universidades vivem de costas voltadas para as empresas e a sociedade, vale a pena pensar se são será o contrário, e se, por acaso, não serão os mesmo empresários que se encontram em homilia anual no Convento do Beato, para perorar sobre a falência e ineficácia dos serviços públicos, que não estarão muito virados para essas modernices da inovação e da tecnologia?

06 agosto, 2007

É cada vez mais complicado ser promotor imobiliário em Havana

Para todos aqueles que passaram uma semana a sofrer com o destino dos pobres construtores e promotores imobiliários, à beira da falência por causa do acordo entre António Costa e Sá Fernandes prever a alteração do PDM para instaurar uma quota de 25% das novas construções a custos controlados, vale a pena ler esta notícia:

O Grupo Sonae tem um processo em Tribunal contra a Câmara Municipal de Lisboa, onde exige uma indemnização da ordem dos 71 milhões de euros, por lucros cessantes, em virtude de atrasos na concessão do alvará de construção das torres de escritório do Centro Comercial Colombo. Trata-se de uma questão que remonta ao período da gestão de Pedro Santana Lopes, que negou a renovação do alvará concedido na gestão de Jorge Sampaio e que já previa a construção das duas torres.

Repare-se que a SONAE não está a exigir uma indemnização choruda por lhe ter sido revogada a autorização de construção, uma vez que as duas torres até deverão estar concluídas em 2010. Não, os 71 milhões são pelo que a SONAE alega serem os lucros cessantes decorrentes dos atrasos administrativos da autorização de construção. Não são 5, nem 8, nem 17, são 71 milhões que é para ser um número redondo.

Não sei quem tem, ou não, razão neste diferendo jurídico, mas sei que pedir 71 milhões pelos lucros cessante de meia dúzia de anos dá uma ideia bastante esclarecedora sobre o rendimento do mercado imobiliário na capital. Com negócios deste valor, ainda se torna mais caricato ler as reacções dos opositores à proposta das casas a custo controlado, num escalar demagógico que começou com o espectro de Havana e já vai no “Bloco de Esquerda na Câmara é uma ameaça ao direito de propriedade” ou nas primárias acusações sobre o analfabetismo de Sá Fernandes.