10 agosto, 2007

Quando a emoção toma o lugar da informação

O desaparecimento da jovem Madeleine McCann foi uma tragédia. Daí até ser um “caso”, como há 3 meses é referido na comunicação social, vai a distância da absurda mediatização, nacional e internacional, que mereceu. O “caso” tinha todos os condimentos necessários para a ser um sucesso mediático. É uma tragédia, corresponde ao pior pesadelo de cada pai, uma família obstinada à procura, por todos os meios, da sua criança, envolvia gente poderosa que, garantiam-nos, tinha um canal aberto com Gordon Brown e o Governo nacional. Pelo meio, falaram com o Papa. Uma autêntica novela da vida real, ainda por cima com a vantagem destes já serem ricos e verdadeiramente famosos. Com este pitéu, os jornalistas foram lestos a escolher um lado e deixaram-se envolver no jogo emocional da família McCann. Eram eles a sua fonte, e isso também pesou para que, depois de milhares de páginas de jornais e horas de noticiários televisivos, tenhamos tido tão pouca informação e investigação.

Depois, esta semana, tudo mudou. Porquê? Porque à família da pequena Madeleine, com a aparente mudança de rumo das investigações policiais, deixou de interessar a cobertura mediática e deixou de ser cooperante com a imprensa. Durante dias os nossos media perguntavam, em horário nobre, o que teria levado esta família, “sempre receptiva às preocupações da imprensa”, a mudar de atitude? A sua fonte traiu-os. Esta forma de ver a realidade a partir do pequeno umbigo do seu círculo mais próximo dá a cara a um dos piores defeitos, e perigos, do jornalismo. Olharem o caso como se fossem um peão central do seu desfecho significa que se perdeu, há muito, a objectividade e o distanciamento necessário.

Agora, anda tudo muito indignado com a forma como a imprensa britânica está a destratar a Policia Judiciária e a imprensa nacional. Mais uma campanha emocional. Mas, sejamos claros, o que os tablóides e televisões inglesas estão a fazer é exactamente o mesmo que os nossos jornalistas fizeram. Durante meses contaram com a nossa imprensa e polícia como canal preferencial para se mexerem num pais que desconheciam. Agora, que a complacência terminou, sentem-se traídos. Os mecanismos comunicacionais são globais. A única diferença é que a isso, os ingleses juntam a habitual soberba imperial e os preconceitos sobre os selvagens que vivem no sul da Europa. Tudo o resto é um caso de estudo sobre a forma como a imprensa vive das emoções para vender uma história e se deixa enveredar nelas para não cumprir o seu papel. Informar.

ps: sobre o acompanhamento mediático deste caso, embora numa perspectiva diferente, vale a pena ler o texto de Pacheco Pereira na Sábado: "O caso da pequena Maddie"

2 comments:

Anónimo disse...

"Uma autêntica novela da vida real, ainda por cima com a vantagem destes já serem ricos e verdadeiramente famosos."

Bom, a novela criou-se e os pais foram-se enrolando nela -- nunca tinhas ouvido falar no casal antes da miúda desaparecer. Mas isto de os menorizar por serem ricos traz muita água no bico -- mesmo que o fossem, que não me parece o caso por passarem férias no Algarve (ah!), não me consegues mostrar a relevância dessa informação.

E depois, sem que te dês conta, já estás tu próprio a criar uma novela.

Pedro Sales disse...

Não estou a menorizar a questão por eles serem ricos. A entrada nem é sobre eles, mas sobre a forma como a comunicação social substititui a informação pela emoção e de como, pelo meio, se deixou apoderar pela mesma.

Mas, já que falas nisso, aí tenho que concordar com o Pacheco Pereira. A forma como os media trataram este caso, e a complacência com a família, contrasta de forma flagrante com a cobertura da Joana.