07 agosto, 2007

Toda a verdade?

A Sic Notícias foi pioneira, entre nós, no aproveitamento dos anúncios autopromocionais que vai passando nos intervalos da sua programação. Não sou grande apreciador da maioria, principalmente daquela lógica de mostrar imagens de guerra e de sofrimento, musicadas e estilizadas na pós-produção, como se fossem um clip da MTV. Um dos últimos, e que tem passado insistentemente, chamou-me a atenção por outra razão. Mesmo não o tendo encontrado para o colocar no Zero de Conduta, ele resume-se facilmente. Tudo começa com imagens de Cavaco Silva e de José Sócrates, recusando-se a falar à imprensa ou fugindo da questão que lhes é colocada, interrompidas para passar as seguintes legendas. “Temos um presidente que gere muito bem os seus silêncios; “temos um primeiro-ministro que escolhe muito bem quando fala.” No fim, aparece o logotipo da SIC Noticias e a mensagem final do anúncio: “temos uma televisão que o informa a todas as horas. Cumprimos integralmente o nosso mandato”.

Nada me aproxima politicamente de Sócrates ou Cavaco, mas nem é preciso simpatizar com as personagens para achar este vídeo completamente demagógico e revelador de um certo espírito assumido por alguns jornalistas: a superioridade moral face à classe política. A mensagem é simples, e até vai ao encontro da percepção pública. Os políticos são dissimulados, têm sempre algo a esconder e não contam toda a verdade. Não é isso o que acontece com a televisão que, veja-se lá, até cumpre “integralmente” o seu “mandato”. Ficamos é sem saber que "mandato" é esse, quem é os mandatou e para quê?

A ideia chave do pequeno vídeo é a suposta transparência de uns em detrimento da prática dos políticos - aqui representados pelos detentores dos dois cargos institucionalmente mais relevantes. Claro que ninguém conta toda a verdade (seja lá isso o que for) e a imprensa não foge à regra. Da mesma maneira que os partidos tentam resguardar o que se passa dentro das suas paredes, o mesmo faz a imprensa, a começar pela própria Sic que nunca deu conta dos conflitos internos que levaram à saída sucessiva de Nuno Santos, Rangel ou Margarida Marante. Já para não falar dos jornais. Se há um conflito na redacção do Diário de Notícias, já sabemos que temos que procurar saber o que se passa comprando o Público, se o problema é no Público o melhor é comprar o Diário de Notícias. A imprensa não é mais transparente que a classe política e, em comparação com esta, ainda tem maiores dificuldades em reconhecer quando erra.

Convém também referir a forma como as imagens, nomeadamente as de Sócrates, são descontextualizadas. Numa delas, à entrada do último Congresso do Partido Socialista em Santarém, recusa-se a responder às perguntas dos jornalistas, dizendo que primeiro tem que falar aos congressistas. Nada mais legítimo e natural. Mas claro que isso não conta. Para quem está a ver, o destaque é a forma arrogante e apressada como o primeiro-ministro vira as costas aos jornalistas. Montado como está, e com a legenda e a música que acompanha, está muito mais próximo da manipulação de imagens do que da propagada informação a todas as horas.

3 comments:

Anónimo disse...

Tenho para mim que grande parte dos problemas do País incluem a Imprensa e a forma irresponsavel que ela adquiriu, denegrindo a politica (velho tique salazarista) e os politicos.É uma irresponsabilidade perigosa porque dentro dos próprios media não existe quem denuncie o que se passa dado o corporativismo excessivo, não existe um contrapeso, pelo contrario existem grandes silêncios.
Isto é agravado pelos politicos mediocres e comentadores que vivem das migalhas das tv's por pura vaidade alguns e subserviência outros. Por isso sempre que vejo um politico denunciar esta autêntica manipulação, apoio-o, seja de esquerda ou de direita, porque mais importante que a luta politica, é neste caso, a saúde desta "democraciazinha".
Existem muitos debates que faltam fazer em Portugal, este é um deles.
Através deste post deu o seu contributo, bem haja por isso.

Anónimo disse...

Também vi o anúncio que me pareceu completamente despropositado. E concordo com a fraquíssima qualidade da nossa imprensa e dos nossos jornalistas, que revelam além do mais uma total falta de sentido crítico. Haja em vista o escândalo feito à volta da não recondução da directora do Museu de Arte Antiga: alguém se deu ao trabalho de ir ouvir com atenção e de dar à estampa opiniões contrárias? São muitas e têm fundamento.

Anónimo disse...

Nada mais a propósito. O próprio título do texto, "Toda a verdade" é nada mais nada menos qu eo nome de uma rúbrica documental da mesma SIC Notícias. E refiro isto para que façamos um pequeno exercício de memória em relação ao anúncio autopromocional desse mesmo programa. E depois logo a seguir usemos o mesmo exercício para nos lembrarmos de alguns dos documentários vergonhosos apresentados nessa mesma rúbrica. Sem comentários. Pior ainda, a spot autopromicional do "jornal da meia noite" que começa com as palavas "todos nos lembramos daquele dia em que o mundo mudou..." e com as imagens dos aviões a embaterem nas torres no 11 de Setembro. Este spot é um dos sintomas de que, afinal, o mundo não mudou nesse dia mas muitos se aproveitaram dele para o tornarem mais igual a si mesmo do que nunca. Este spot confirma em poucos segundos que aquilo aconteceu daquela forma, justificou as guerras que se seguiram e a SIC esteve sempre pronta a vomitar a verdade oficial. Aliás, mais papistas que o papa, os jornalistas nacionais nunca questionaram essas versões oficiais como o fazem alguns americanos.
Concretamente em relação ao spot a que o texto se refere o mais irónico é que a imprensa que agora faz este tipo de jogos menipuladores com as imagens de Sócrates e Cavaco foi a mesma que os elegeu.