12 setembro, 2007

Saber ver

Cuban healthcare is no utopia. At times it is ragged and harsh. But the virtues are no myth. People live as long as they do because the system, overall, works. To be poor and sick in Cuba is tough, but it is not to be forgotten. Guardian, 7 de Julho de 2007

O Guardian fez aquilo que deveria ser a essência do jornalismo. Aproveitou a atenção mediática causada pelo documentário de Michael Moore, Sicko, e foi a Cuba ver com os seus olhos como funciona um sistema que tem “resultados do primeiro mundo com um orçamento do terceiro mundo.” Deixou de lado os preconceitos ideológicos e foi tentar perceber porque razão vários directores clínicos britânicos se deslocam a Cuba para perceber como é possível, com um orçamento por habitante 30 vezes inferior ao dos EUA, ter uma esperança de vida idêntica à da maior economia mundial e uma mortalidade infantil bastante inferior.

O Guardian fez aquilo que os blogues portugueses do costume se recusaram, desde o primeiro momento, em fazer. Discutir o assunto e tentar perceber a realidade cubana por detrás dos números e propaganda do regime. Quando se instalou a polémica sobre o documentário, foram rápidos a criticar Michael Moore porque se deslocou a Cuba para fazer "Sicko". O fundamentalismo do costume. Michael Moore não ilude ninguém sobre a natureza ditatorial do regime cubano, agora em vias de se tornar em mais uma monarquia marxista. Quer isto dizer que corre tudo bem no sistema de saúde cubano? Não, mas também disso dá conta o Guardian, algo só possível quando se troca a cegueira ideológica pela objectividade.

Como responde ao jornal britânico um diplomata em Havana, a “saúde e educação são os pilares que legitimam a revolução, por isso o governo tem que os fazer funcionar”. E funciona, reconhece. Mas se o regime deve ser condenado, sem nenhuma ambiguidade, por ser uma ditadura, também convém lembrar que há poucas, ou nenhuma, que tenham essa preocupação social de legitimação popular. Como Angola, por exemplo, um país onde a mortalidade infantil é quase 40 vezes superior a Cuba e onde a esperança média de vida se fica pelos 37 anos. A mesma Angola onde José Sócrates vai alegremente correr na marginal de Luanda para apertar a mão a um dos maiores tiranos e corruptos do planeta, perante a complacência de alguns dos que se indignam com a presença de Moore em Cuba. Selectividades.

Pode ser encontrado, aqui, um resumo com 11 minutos de Sicko.

8 comments:

Anónimo disse...

Muito bem...

samuel disse...

Trau!!!

João disse...

Nunca fui "apreciador" de Cuba - e muitos que o são vão buscar razões para isso ao seu anti-americanismo - o que torna o meu elogio ao sistema de saúde cubano ainda mais singular. Afinal, alguma coisa funciona em condições na ilha além da repressão política.

Anónimo disse...

Desculpem lá, mas onde é que Cuba é uma ditadura. Interessa discutir assunto.

Anónimo disse...

Tiveste bem ó Pedro.

Anónimo disse...

É exemplar como o Guardian faz bem jornalismo. Também no caso Mccann é notável a forma como se distanciam e objectivamente relatam o caso.

A sua referência a J. Sócrates é pura propaganda, porque não é séria.Qualquer 1º ministro português ou Presidente da República deve apertar a mão ao Presidente Angolano,
do Sócrates ao Louçã. A questão não é pessoal é de Estado, e Portugal deve ter boas relações com Angola.
Quer dizer, elogia o Guardian pela objectividade e falta de preconceito ideológico e depois defende o contrário.Mais seriedade.
Ou julga que se o Louçã ou a Ana Gomes (pessoas que admiro) fossem ministros dos Negócios Estrangeiros não apertavam a mão a Eduardo dos Santos? tenha juizo.

Pedro Sales disse...

Caro anónimo,

Não é só apertar a mão. É ter tentado, como veio na imprensa, que não saísse uma reportagem do "público" sobre os "negócios" da família Eduardo do Santos quando Sócrates estava em Angola porque podia prejudicar as relações entre os dois países. É não fazer nenhuma referência aos direitos humanos em Angola. É a habitual subserviência, principal característica da nossa política externa, "pelas razões que são conhecidas", como diz o MNE a propósito do Dalai Lama. Uma coisa são as relações oficiais entre dois Estados, outra coisa é ter que ficar calado perante tudo por causa das "razões que são conhecidas". Há um grande caminho entre as duas posições. Infelizmente, o Governo (este e os outros) fica sempre na mesma extremidade.

João disse...

Se Portugal DEVE ter boas relações com Angola (na linha de "não nos podemos dar ao luxo de não ter"), então Angola PODE aproveitar-se de Portugal (na linha de "não nos podemos dar ao luxo de não o fazer").