Verde menos verde não há
O preço do arroz poderá subir 50% nos próximos dias. Com o aumento do preço dos combustíveis, a associação nacional dos industriais de arroz, realça o facto do seu preço ter subido 50% no último ano e responsabiliza a subida acentuada do preço do petróleo que tornou cereais, como o milho e o trigo, "interessantes" para a produção de biocombustíveis, uma alternativa energética aos produtos petrolíferos.
A notícia passou quase despercebida, mas será apenas a primeira de muitas. A estratégia da União Europeia passa por garantir que, até 2020, 10% de todos os combustíveis serão “verdes”. Em Portugal, o governo quer garantir 10% nos transportes já em 2010. Para conseguir esse valor, tem já a funcionar um generoso pacote de incentivos fiscais às oleaginosas plantadas no nosso país para alimentar as 2 refinarias "verdes" que estão a ser construídas.
E, no entanto, os erros dos outros países estão à vista, provando que esta estratégia tem tanto de imprudente como de suicidária. No México, a produção intensiva de milho para abastecer o mercado dos EUA levou à subida em 400% deste cereal fundamental para a alimentação. A consequência foi desastrosa e levou à rápida revolta dos mais pobres, e mais afectados com a subida em flecha da tortilla, a sua tradicional base alimentar .
Para além da hiperinflação dos produtos alimentares, a tão publicitada energia "verde" tem pouco de energia e ainda menos de verde. O potencial energético dos agrocombustíveis (a terminologia mais correcta) é ínfimo, como já foi reconhecido pelo OCDE, e a sua produção obriga a regimes intensivos de monocultura, obrigando ao aumento do espaço físico dedicado à agricultura, diminuindo a biodiversidade e aumentando a utilização de fertilizantes muito pouco verdes. A União Europeia, no mês passado, acabou com os terrenos dedicados ao pousio para responder à crescente procura de cereais. A produção em massa do óleo de palma já causou a devastação de grandes extensões de florestas na Colômbia, Equador e Indonésia e Malásia. (relatório da Unesco).
Os combustíveis "verdes" têm tudo para ser uma tragédia ambiental, social e económica. O interesse da UE e dos EUA nesta fonte energética - de que são os principais defensores, juntamente com o Brasil - tem muito pouco a ver com a defesa do ambiente. Convém não esquecer que três quartos das reservas de petróleo ficam na zona mais instável do planeta. É preciso diminuir a dependência das maiores economias de uma fonte de energia que está situada sobre o barril de pólvora em que se tornou o Médio Oriente. Os agrocombustíveis podem ser produzidos em qualquer lugar que tenha espaço, muito espaço para a plantação de cerais. São uma bomba ao retardador. Os preços na mercearia e supermercado vão ser o primeiro rastilho. Ou isso ou vamos todos subsidiar, com os nossos impostos, o maior logro ambiental das últimas décadas.
Sobre este mesmo tema, vale a pena ler: How biofuels coul starve the poor, na Foreign Affairs. Worse than fossil fuel, George Monbiot, no Guardian.
3 comments:
Há quem argumente que, apesar de não ser produtivo, estes agrocombustiveis preparam o caminho para o próximo combustível verde do futuro. Com a distribuição de etanol garantida nos postos de gasolina, a substituição de produtos será fácil pois o trabalhinho já fica feito. De resto, a importância do milho e etanol tem tudo a ver com o Iowa, onde se realiza o caucus das eleições americanas -- nenhum candidato tem a coragem de desmontar a irrelevância desta mercadoria que abastece os agricultores daquele estado.
Sobre o assunto proponho dois posts. Um no De Rerum Natura,
Outro no meu próprio blog (peço desculpa pela publicidade).
Os biocombustíveis poderão ser realmente interessantes, mas sê-lo-ão mais se forem produzidos a partir de algas ou de restos vegetais (a cana do milho, por exemplo). De outra forma apenas servirão para atirar fumo (biologicamente verde, bem entendido) para os olhos do público
Enviar um comentário