Súbditos e cidadãos
A reacção às disparatadas declarações de Chavez na Cimeira Ibero-americana são mais curiosas do que o episódio em si. Meio mundo aproveitou para dizer que o homem é um ditador sem respeito por ninguém, a outra metade anda embevecida com a superioridade moral da monarquia. Que se dá ao respeito. Que pôs o "ditador" na ordem. Que, ao contrário dos nossos governantes, percebe o perigo mundial que Chavez representa.
Curiosamente, quem usa e abusa de ambos os argumentos são os mesmos que, normalmente, se apressam em encontrar públicas virtudes em Alberto João Jardim. Que é o povo que o elege e mantém no poder. Que é demagógico mas tem obra feita. Chavez não é um ditador. É um Alberto João com petróleo. Muito petróleo. É populista, fanfarrónico e tem um projecto de poder pessoal. Tem tudo para ser detestável, e é-o certamente. Mas o problema não é ele ser populista. Isso é o dia-a-dia da América Latina. O engulho é que o seu populismo não tem a casta correcta. Não tem as boas maneiras das famílias que, durante décadas, puseram e dispuseram da América Latina sem o mínimo esgar das boas consciências europeias. Se algué, tem dúvidas, veja-se a disparidade de tratamento entre Chavez e a extrema-direita dos gémeos polacos.
Convém lembrar que as horas infindáveis que Chavez passa na televisão pública a fazer propaganda, só encontram paralelo nas horas infindáveis que a oposição passa nos canais privados a fazer propaganda contra o Governo. Quer fazer um referendo para alterar a constituição e terminar com a limitação de mandatos. É errado, e preocupante, mas não deixa de ser irónico ver os mesmos que criticam o fim da limitação de mandatos desdobrarem-se em elogios ao "espírito democrático" de Juan Carlos. O seu cargo, vitalício, trouxe-o uma cegonha de Paris. E não me lembro quando é que se submeteu a qualquer sufrágio. "Porque não te calas?", disse, esquecendo-se que já lá vai o tempo em que as monarquias dispunham dos seus súbditos. Entretanto chegaram os cidadãos. A má educação de Chavez é mais brutal e menos polida, mas não é muito diferente da de Juan Carlos.
17 comments:
Chavez é um plebeu mal-escolarizado, não tem atrás de si 300 anos de avoengos ilustres e rapinadores, na sua família nunca ninguém coleccionou Grecos nem iates, enfim, é rasca e grosseirão, não lava as mãos antes de comer e não sabe distinguir um garfo de carne doutro de peixe. Faz lembrar um pouco o Berardo que a nossa imprensa e blogosfera tanto admiram...
Para cúmulo, apoia-se no poder dos miseráveis venezuelanos e promulga medidas horrorosamente socialistas, que tanto repugnam aos nossos capitalistazinhos do teclado. Daí que ninguém se escandalize pelo facto de o rei o ter tratado por tu, como se estivesse a falar com o seu jardineiro. Todos nós achamos, civilizados como somos, que "argumentar" com insultos de "fascista" não é digno de um chefe de estado. Mas que o rei se tenha arrogado o direito de o mandar calar e de o tutear, isso já nos parece bem. Quanto snobismo nestas cabecinhas da portugosfera. Não é à toa que se vive 800 anos de espinha dobrada diante de qualquer poder. Ainda há respeito neste país. Deo gratias!
"O seu cargo, vitalício, trouxe-o uma cegonha de Paris. E não me lembro quando é que se submeteu a qualquer sufrágio."
Mas é claro que se submeteu a sufrágio. A monarquia espanhola foi referendada em 1978. A constituição que define a actual "monarquia parlamentar" foi elaborada por uma assembleia constituinte eleita democraticamente e depois foi submetida a referendo (ao contrário da constituição portuguesa, que nunca foi referendada). E os resultados a favor da constituição monárquica foram arrasadores. 88% aprovaram-na.
É curioso como entre Chavez (um presidente que claramente tem uma politica que favorece o seu povo e é contra o capital seja ele venezuelano, americano ou espanhol), Aznar (um politico fascista, que preparou com Bush, Blair e Barroso o criminoso ataque ao Iraque que já produziu centenas de milhares de vitimas) e Juan Carlos (A Bourbónica figura colocada no trono por vontade do ditador Franco)... entre estas três personagens e referindo-se aos incidentes da cimeira, há elementos do BE que preferem atacar Chavez.
Que miséria e que tristeza!
Disparatadas declarações de Chávez? Porquê? Acaso tentou saber o que ele realmente disse? Um dos temas da Cimeira foi a coesão social. No seu discurso, Zapatero terá dito que a responsabilidade pelo desenvolimento da América Latina é exclusivamente dos seus governantes e Chávez relembrou-lhe que isso não é bem assim; não se trata sequer da herança colonial; como toda a gente sabe, vários governos democráticos e progressistas foram derrubados por golpes de estado incitados e apoiados por governos estrangeiros. Foi o que Chávez relembrou a Zapatero, citando o seu antecessor, Aznar, que logo reconheceu, com os EUA, o governo golpista que tentou derrubar Chávez em 2002. E relembrou muito bem; para políticos hipócritas, já basta os que temos por cá! Aliás Aznar está a soldo de uma qualquer organização americana e dedica-se a denegrir Chávez.
Isso de defender princípios em abstracto é muito fácil; agora, manter-se fiel à democracia, e Chávez tem sido fiel (pelo menos até agora) aos princípios democráticos, mesmo depois de um golpe de estado contra si, que podia ter-lhe custado a vida, não é muito vulgar.
aleph,
Tem razão. A monarquia espanhola é legitimada pela constituição. Mas, veja lá, que é isso mesmo que está a acontecer na Venezuela. Para se poder candidatar novamente, contornando a limitação de mandatos, Chavez alterou a constituição. Se o povo votar favoravelmente no referendo, passa a ser uma prerrogativa constitucional. Mas, cá, a maioria dos comentadores diz que estamos perante uma ditadura. Not so fast.
José. M. Sousa,
Tem toda a razão no que diz sobre o apoio de Aznar ao golpe falhado de 2002. Foi lamentável, como lamentável foi que Durão Barroso tenha envergonhado o país ao juntar Portugal no escasso número de países que legitimaram um golpe de estado. Mas é disparatado começar a disparar a torto e a direito contra quem já só faz parte do passado. Não era Aznar que ali estava era Zapatero. Não devia aproveitar a deixa para se deixar guiar pelo ressentimento do passado. Rebaixou-se e, bem vistas as coisas, o único efeito que teve foi pôr Zapatero a defender Aznar - o que devia ser a última coisa que pretendia.
de Almada,
Não costumo comentar o BE nas caixas de comentários. Não sei, aliás, de quem é que está a falar. Se está a comentar o post em apreço parece que o tresleu um bocado, ou não?
"o problema não é ele ser populista. Isso é o dia-a-dia da América Latina. O engulho é que o seu populismo não tem a casta correcta. Não tem as boas maneiras das famílias que, durante décadas, puseram e dispuseram da América Latina sem o mínimo esgar das boas consciências europeias. Se algué, tem dúvidas, veja-se a disparidade de tratamento entre Chavez e a extrema-direita dos gémeos polacos".
Onde é que se está a defender o Aznar?
Herdeiro de fascista devia ter a prisão como casa, mas não, tem o lugar de "chefe de estado".
Já não há quem lhe beije o cú, esses tempos já lá vão senhor "rei" não sei de quê..
Pois é, visto de longe, o homem parece um santo, luta contra o monstro do Bush, é contra a expeculação, etc., mas o Zé da Madeira, ou Manel de Aveiro, que durante mais de 30 anos, trabalharam na Venezuela, estão muito perto de ver os seus negocios Nacionalizados, e se tentarem fugir, já vão tarde, porque o dinheiro que está depositado não pode sair da Venezuela..!!!
Não creio que os Padeiros, e outros comerciantes Portugueses, na Venezuela sejam cadastrados, para estarem 'sequestrados', na terra onde trabalharam, curioso saber, o que a esquerda Portuguesa, tão reivindicativa em relação aos direitos dos imigrantes em Portugal, pensará dos direitos dos Portugueses na Venezuela...!!!
clap!! clap!! clap!!post certeiríssimo...
Curiosa inversão de discurso é vir agora a direita preocupar-se com os emigrantes portugueses na Venezuela quando desespera para correr com os imigrantes de cá.
Neste momento, contra Chavez todos os argumentos valem. Como é fácil de imaginar não é contra os padeiros portugueses que Chavez está a intervir.
As declarações de Chavez nesta conferencia estão muito próximas da verdade e representam a sua própria verdade. A Venezuela é hoje um grande incómodo para os EUA e Europa e estes amigos e aliados tudo farão para que o povo venezuelano sofra na pele tão breve quanto possível por ter ousado divergir da ditadura liberal global. Pagará Chavez certamente, mas o povo irá pagar muito mais, à semelhança do que pagou o povo chileno quando estes mesmos aliados mutilaram a democracia e apoiaram a tomada do poder por Pinochet.
Não sou advogado de defesa de ninguém e de nenhum regime mas é óbvio que cada país e cada povo merecem a sua dignidade. Chavez pode não ser um Cavalheiro mas a Venezuela e o povo venezuelano merecem todo o respeito pelas suas escolhas.
O incidente na cimeira foi muito mais que uma troca dura de palavras. Foi sobretudo o vir à tona do recalcado espírito imperialista espanhol. Um pouco identico ao que a nossa direita tem para com África. A atitude do monarca, por vir de uma figura que nunca pode reagir assim perante um dirigente e representante legítimo de um país irmão saído do tão cruel imperialismo espanhol, essa atitude foi a atitude de um porco. É a verdadeira face da monarquia e do revanchismo histórico espanhol que veio à tona.
Se a democracia vem dos votos (o que na minha opinião é uma ideia algo limitadora do conceito de democracia) então, Chavez está ainda no sistema democrático. Ele quer retirar o limite de mandatos. É discutível. pode ser positivo se ele não cair na tentação do poder pessoal e NUNCA retirar o poder ao povo por forma a que este o possa de lá tirar se essa for a sua legítima vontade. As nacionalizações, como já alguém aqui mencionou (a célebre cassete da direita) não estão a ser um processo linear e muito menos global. É de referir que Chavez tomou iniciativas duras contra a fuga aos impostos e isso incomoda por demais muitos dos estrangeiros que residem naquele país. Mas ele nunca referiu que nacionalizaria a tasca da esquina. E seria um erro se o fizesse. Já aprendemos que pior que um capitalism das elites só um capitalismo monopolista de estado. Não acredito que ele caia no ero de mutilar a iniciativa privada não parasitária. Já agora relembro que, muitas empresas dadas como falidas foram autorizadas a serem tomadas nas mãos dos seus trabalhadores em processos que são alternativos e mesmo contrários aos processos de nacionalização. Chavez, ditador ou libertador, veremos. Não espero dele o que poderia esperar de um Allende, mas a vida não pode ser vivida sem esperança que um dia este nosso império global liberal também vai cair.
«"Porque não te calas?", disse, esquecendo-se que já lá vai o tempo em que as monarquias dispunham dos seus súbditos...»
Parece-me uma questão de forma bastante consciente e democrática. Note V. Exa que é uma pergunta, não uma ordem. Se Juan Carlos se tivesse esquecido que já lá vai o tempo em que as monarquias dispunham dos seus súbditos teria dito simplesmente: "Cala-te!...", ficando no ar a ameaça de que a seguir mandaria cortar a cabeça ao cão manhoso.
O seu «post» foi o melhor texto que li na blogosfera sobre o assunto.
A Cimeira Ibero-Americana para além do mandar calar do rei:
http://www.youtube.com/watch?v=F1mUq3TJdUI&eurl=http://tirem-as-maos-da-venezuela.blogspot.com/
Concordo mas a verdade é que, por ser rei, Juan Carlos não pode ser considerado mal-educado. Oh não! Que tragédia.
Com estas atitudes a bourbónica figura só está cavando a sua (da monarquia entenda-se) sepultura!
Só queria lembrar uma pequena questão. Aquela cimeira como qualquer outra tinha uma mesa e uma presidente a comandar a reunião. Como tal, a atitude do rei revela em primeiro lugar aquilo que estas personagens aristocratas e burocratas tanto cultivam e gostam de panacear que é "o sentido de estado" se o tem ou perdeo-o depressa ou então guarda-o para outros, em segundo é de uma ingerência atroz à forma de como estavam a ser conduzidos os trabalhos, pois se queria protestar dirigia-se à mesa e fazia um protesto à condução dos mesmos. Em terceiro revela uma atitude prepotente e agorrante de exuberância magestática (o modo como manda calar chavez equando abandona a sala quando o ortega faz criticas à multinacional espanhola union fenosa)fazendo entender que "não está ali para aquilo" veio mais uma vez para ser recebido e servido e não para discutir, debater, estar sujeito à critica, e criticar.
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