11 novembro, 2007

Súbditos e cidadãos

A reacção às disparatadas declarações de Chavez na Cimeira Ibero-americana são mais curiosas do que o episódio em si. Meio mundo aproveitou para dizer que o homem é um ditador sem respeito por ninguém, a outra metade anda embevecida com a superioridade moral da monarquia. Que se dá ao respeito. Que pôs o "ditador" na ordem. Que, ao contrário dos nossos governantes, percebe o perigo mundial que Chavez representa.

Curiosamente, quem usa e abusa de ambos os argumentos são os mesmos que, normalmente, se apressam em encontrar públicas virtudes em Alberto João Jardim. Que é o povo que o elege e mantém no poder. Que é demagógico mas tem obra feita. Chavez não é um ditador. É um Alberto João com petróleo. Muito petróleo. É populista, fanfarrónico e tem um projecto de poder pessoal. Tem tudo para ser detestável, e é-o certamente. Mas o problema não é ele ser populista. Isso é o dia-a-dia da América Latina. O engulho é que o seu populismo não tem a casta correcta. Não tem as boas maneiras das famílias que, durante décadas, puseram e dispuseram da América Latina sem o mínimo esgar das boas consciências europeias. Se algué, tem dúvidas, veja-se a disparidade de tratamento entre Chavez e a extrema-direita dos gémeos polacos.

Convém lembrar que as horas infindáveis que Chavez passa na televisão pública a fazer propaganda, só encontram paralelo nas horas infindáveis que a oposição passa nos canais privados a fazer propaganda contra o Governo. Quer fazer um referendo para alterar a constituição e terminar com a limitação de mandatos. É errado, e preocupante, mas não deixa de ser irónico ver os mesmos que criticam o fim da limitação de mandatos desdobrarem-se em elogios ao "espírito democrático" de Juan Carlos. O seu cargo, vitalício, trouxe-o uma cegonha de Paris. E não me lembro quando é que se submeteu a qualquer sufrágio. "Porque não te calas?", disse, esquecendo-se que já lá vai o tempo em que as monarquias dispunham dos seus súbditos. Entretanto chegaram os cidadãos. A má educação de Chavez é mais brutal e menos polida, mas não é muito diferente da de Juan Carlos.

17 comments:

JMS disse...
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JMS disse...

Chavez é um plebeu mal-escolarizado, não tem atrás de si 300 anos de avoengos ilustres e rapinadores, na sua família nunca ninguém coleccionou Grecos nem iates, enfim, é rasca e grosseirão, não lava as mãos antes de comer e não sabe distinguir um garfo de carne doutro de peixe. Faz lembrar um pouco o Berardo que a nossa imprensa e blogosfera tanto admiram...
Para cúmulo, apoia-se no poder dos miseráveis venezuelanos e promulga medidas horrorosamente socialistas, que tanto repugnam aos nossos capitalistazinhos do teclado. Daí que ninguém se escandalize pelo facto de o rei o ter tratado por tu, como se estivesse a falar com o seu jardineiro. Todos nós achamos, civilizados como somos, que "argumentar" com insultos de "fascista" não é digno de um chefe de estado. Mas que o rei se tenha arrogado o direito de o mandar calar e de o tutear, isso já nos parece bem. Quanto snobismo nestas cabecinhas da portugosfera. Não é à toa que se vive 800 anos de espinha dobrada diante de qualquer poder. Ainda há respeito neste país. Deo gratias!

Anónimo disse...

"O seu cargo, vitalício, trouxe-o uma cegonha de Paris. E não me lembro quando é que se submeteu a qualquer sufrágio."

Mas é claro que se submeteu a sufrágio. A monarquia espanhola foi referendada em 1978. A constituição que define a actual "monarquia parlamentar" foi elaborada por uma assembleia constituinte eleita democraticamente e depois foi submetida a referendo (ao contrário da constituição portuguesa, que nunca foi referendada). E os resultados a favor da constituição monárquica foram arrasadores. 88% aprovaram-na.

Anónimo disse...

É curioso como entre Chavez (um presidente que claramente tem uma politica que favorece o seu povo e é contra o capital seja ele venezuelano, americano ou espanhol), Aznar (um politico fascista, que preparou com Bush, Blair e Barroso o criminoso ataque ao Iraque que já produziu centenas de milhares de vitimas) e Juan Carlos (A Bourbónica figura colocada no trono por vontade do ditador Franco)... entre estas três personagens e referindo-se aos incidentes da cimeira, há elementos do BE que preferem atacar Chavez.
Que miséria e que tristeza!

José M. Sousa disse...

Disparatadas declarações de Chávez? Porquê? Acaso tentou saber o que ele realmente disse? Um dos temas da Cimeira foi a coesão social. No seu discurso, Zapatero terá dito que a responsabilidade pelo desenvolimento da América Latina é exclusivamente dos seus governantes e Chávez relembrou-lhe que isso não é bem assim; não se trata sequer da herança colonial; como toda a gente sabe, vários governos democráticos e progressistas foram derrubados por golpes de estado incitados e apoiados por governos estrangeiros. Foi o que Chávez relembrou a Zapatero, citando o seu antecessor, Aznar, que logo reconheceu, com os EUA, o governo golpista que tentou derrubar Chávez em 2002. E relembrou muito bem; para políticos hipócritas, já basta os que temos por cá! Aliás Aznar está a soldo de uma qualquer organização americana e dedica-se a denegrir Chávez.
Isso de defender princípios em abstracto é muito fácil; agora, manter-se fiel à democracia, e Chávez tem sido fiel (pelo menos até agora) aos princípios democráticos, mesmo depois de um golpe de estado contra si, que podia ter-lhe custado a vida, não é muito vulgar.

Pedro Sales disse...

aleph,

Tem razão. A monarquia espanhola é legitimada pela constituição. Mas, veja lá, que é isso mesmo que está a acontecer na Venezuela. Para se poder candidatar novamente, contornando a limitação de mandatos, Chavez alterou a constituição. Se o povo votar favoravelmente no referendo, passa a ser uma prerrogativa constitucional. Mas, cá, a maioria dos comentadores diz que estamos perante uma ditadura. Not so fast.

José. M. Sousa,

Tem toda a razão no que diz sobre o apoio de Aznar ao golpe falhado de 2002. Foi lamentável, como lamentável foi que Durão Barroso tenha envergonhado o país ao juntar Portugal no escasso número de países que legitimaram um golpe de estado. Mas é disparatado começar a disparar a torto e a direito contra quem já só faz parte do passado. Não era Aznar que ali estava era Zapatero. Não devia aproveitar a deixa para se deixar guiar pelo ressentimento do passado. Rebaixou-se e, bem vistas as coisas, o único efeito que teve foi pôr Zapatero a defender Aznar - o que devia ser a última coisa que pretendia.

de Almada,

Não costumo comentar o BE nas caixas de comentários. Não sei, aliás, de quem é que está a falar. Se está a comentar o post em apreço parece que o tresleu um bocado, ou não?

"o problema não é ele ser populista. Isso é o dia-a-dia da América Latina. O engulho é que o seu populismo não tem a casta correcta. Não tem as boas maneiras das famílias que, durante décadas, puseram e dispuseram da América Latina sem o mínimo esgar das boas consciências europeias. Se algué, tem dúvidas, veja-se a disparidade de tratamento entre Chavez e a extrema-direita dos gémeos polacos".
Onde é que se está a defender o Aznar?

Anónimo disse...

Herdeiro de fascista devia ter a prisão como casa, mas não, tem o lugar de "chefe de estado".
Já não há quem lhe beije o cú, esses tempos já lá vão senhor "rei" não sei de quê..

Anónimo disse...

Pois é, visto de longe, o homem parece um santo, luta contra o monstro do Bush, é contra a expeculação, etc., mas o Zé da Madeira, ou Manel de Aveiro, que durante mais de 30 anos, trabalharam na Venezuela, estão muito perto de ver os seus negocios Nacionalizados, e se tentarem fugir, já vão tarde, porque o dinheiro que está depositado não pode sair da Venezuela..!!!

Não creio que os Padeiros, e outros comerciantes Portugueses, na Venezuela sejam cadastrados, para estarem 'sequestrados', na terra onde trabalharam, curioso saber, o que a esquerda Portuguesa, tão reivindicativa em relação aos direitos dos imigrantes em Portugal, pensará dos direitos dos Portugueses na Venezuela...!!!

Anónimo disse...

clap!! clap!! clap!!post certeiríssimo...

Paulo Mouta disse...

Curiosa inversão de discurso é vir agora a direita preocupar-se com os emigrantes portugueses na Venezuela quando desespera para correr com os imigrantes de cá.
Neste momento, contra Chavez todos os argumentos valem. Como é fácil de imaginar não é contra os padeiros portugueses que Chavez está a intervir.
As declarações de Chavez nesta conferencia estão muito próximas da verdade e representam a sua própria verdade. A Venezuela é hoje um grande incómodo para os EUA e Europa e estes amigos e aliados tudo farão para que o povo venezuelano sofra na pele tão breve quanto possível por ter ousado divergir da ditadura liberal global. Pagará Chavez certamente, mas o povo irá pagar muito mais, à semelhança do que pagou o povo chileno quando estes mesmos aliados mutilaram a democracia e apoiaram a tomada do poder por Pinochet.
Não sou advogado de defesa de ninguém e de nenhum regime mas é óbvio que cada país e cada povo merecem a sua dignidade. Chavez pode não ser um Cavalheiro mas a Venezuela e o povo venezuelano merecem todo o respeito pelas suas escolhas.
O incidente na cimeira foi muito mais que uma troca dura de palavras. Foi sobretudo o vir à tona do recalcado espírito imperialista espanhol. Um pouco identico ao que a nossa direita tem para com África. A atitude do monarca, por vir de uma figura que nunca pode reagir assim perante um dirigente e representante legítimo de um país irmão saído do tão cruel imperialismo espanhol, essa atitude foi a atitude de um porco. É a verdadeira face da monarquia e do revanchismo histórico espanhol que veio à tona.
Se a democracia vem dos votos (o que na minha opinião é uma ideia algo limitadora do conceito de democracia) então, Chavez está ainda no sistema democrático. Ele quer retirar o limite de mandatos. É discutível. pode ser positivo se ele não cair na tentação do poder pessoal e NUNCA retirar o poder ao povo por forma a que este o possa de lá tirar se essa for a sua legítima vontade. As nacionalizações, como já alguém aqui mencionou (a célebre cassete da direita) não estão a ser um processo linear e muito menos global. É de referir que Chavez tomou iniciativas duras contra a fuga aos impostos e isso incomoda por demais muitos dos estrangeiros que residem naquele país. Mas ele nunca referiu que nacionalizaria a tasca da esquina. E seria um erro se o fizesse. Já aprendemos que pior que um capitalism das elites só um capitalismo monopolista de estado. Não acredito que ele caia no ero de mutilar a iniciativa privada não parasitária. Já agora relembro que, muitas empresas dadas como falidas foram autorizadas a serem tomadas nas mãos dos seus trabalhadores em processos que são alternativos e mesmo contrários aos processos de nacionalização. Chavez, ditador ou libertador, veremos. Não espero dele o que poderia esperar de um Allende, mas a vida não pode ser vivida sem esperança que um dia este nosso império global liberal também vai cair.

Anónimo disse...

«"Porque não te calas?", disse, esquecendo-se que já lá vai o tempo em que as monarquias dispunham dos seus súbditos...»

Parece-me uma questão de forma bastante consciente e democrática. Note V. Exa que é uma pergunta, não uma ordem. Se Juan Carlos se tivesse esquecido que já lá vai o tempo em que as monarquias dispunham dos seus súbditos teria dito simplesmente: "Cala-te!...", ficando no ar a ameaça de que a seguir mandaria cortar a cabeça ao cão manhoso.

Joana Lopes disse...

O seu «post» foi o melhor texto que li na blogosfera sobre o assunto.

José M. Sousa disse...

A Cimeira Ibero-Americana para além do mandar calar do rei:

http://www.youtube.com/watch?v=F1mUq3TJdUI&eurl=http://tirem-as-maos-da-venezuela.blogspot.com/

Anónimo disse...

Concordo mas a verdade é que, por ser rei, Juan Carlos não pode ser considerado mal-educado. Oh não! Que tragédia.

Anónimo disse...

Com estas atitudes a bourbónica figura só está cavando a sua (da monarquia entenda-se) sepultura!

Anónimo disse...

Só queria lembrar uma pequena questão. Aquela cimeira como qualquer outra tinha uma mesa e uma presidente a comandar a reunião. Como tal, a atitude do rei revela em primeiro lugar aquilo que estas personagens aristocratas e burocratas tanto cultivam e gostam de panacear que é "o sentido de estado" se o tem ou perdeo-o depressa ou então guarda-o para outros, em segundo é de uma ingerência atroz à forma de como estavam a ser conduzidos os trabalhos, pois se queria protestar dirigia-se à mesa e fazia um protesto à condução dos mesmos. Em terceiro revela uma atitude prepotente e agorrante de exuberância magestática (o modo como manda calar chavez equando abandona a sala quando o ortega faz criticas à multinacional espanhola union fenosa)fazendo entender que "não está ali para aquilo" veio mais uma vez para ser recebido e servido e não para discutir, debater, estar sujeito à critica, e criticar.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.