13 dezembro, 2007

E quem não salta não é português

Depois de incontáveis horas de directos televisivos, ficámos a saber o nome e os anos de serviço da guarda-freio da Carris que conduziu o eléctrico que transportou os chefes de Estado. Também nos informaram que, como é costume, Sarkozy contornou ao protocolo e que a ministra dos estrangeiros austríaca é mais alta do que Sócrates, “que até não é um homem pequeno”. Horas e horas de cobertura noticiosa sobre um tratado e conhecermos tudo à excepção do tratado. Não é de agora. Nunca houve cobertura jornalística sobre os assuntos europeus no nosso país. O que existe é a leitura acrítica das posições defendidas pelo Governo em exercício de funções, assumidas como comentário e análise jornalística. É uma visão ideia completamente disfuncional sobre os interesses do país.

O Miguel Vale de Almeida fez um curioso exercício e comparou a cobertura que a imprensa portuguesa e internacional fez da Cimeira Europa/África. O estrondoso sucesso entre portas é substituído pelas críticas à ausência de resultados práticos e ao insucesso das parcerias económicas. A União Europeia, e os temas internacionais, são analisados pela imprensa nacional com o mesmo distanciamento e espírito objectivo com que são feitos os comentários televisivos dos jogos da selecção nacional de futebol. Não deixa de ser irónico que seja precisamente num processo de integração à escala europeia que mais se faça sentir o sentimento patrioteiro comunicacional.

Compreende-se, por isso, a agressividade com que parte dos comentadores começam a reagir ao que, há bem pouco tempo, era um consenso nacional que juntava todos os partidos: a existência de um referendo para ratificar o Tratado. Como diz hoje Paulo Baldaia, num editorial no Jornal de Notícias (sem link), não pode haver referendo porque pode dar-se o caso do povo ir às "urnas cuspir na mão que lhe deu de comer" e colocar "todos os outros 26 países a marcar passo". A conclusão é lapidar. Votar "não" é colocar Portugal fora da União e fora da Europa. O volte face está consumado. Já não existe referendo ao Tratado. Existe um referendo à Europa. É a chantagem máxima, para a política mínima.

6 comments:

Anónimo disse...

a manipulação existe com ou sem referendo. a lógica é a da subtração da capacidade e da vontade de decisão das populações, quer a nível nacional como europeu, pelo que qualquer das alternativas que possam vir de uma lógica nesses moldes está condenada a um resultado idêntico

Filipe Tourais disse...

É precisamente essa a minha leitura. É claro que a altura da ministra austríaca e o metal das canetas não são questões passíveis de serem referendadas. Gostei bastante da frase «O sucesso do projecto europeu é proporcional à capacidade da Europa não pensar muito nisso» do Rodrigo Moita de Deus.

Anónimo disse...

Também achei curioso chamarem "impasse" ao facto de a França ter democraticamente chumbado o projecto de tratado e "sucesso" à sua subsequente assinatura sem mais nem ontem, com caneta de prata e grande aparato.
O que sabemos para já é a cor da alcatifa e das gravatas, e a mariquice toda do cenário (à grande e à americana!). Mas podemos imaginar o que ali está: praticamente tudo o que estava antes mais a flexigurança.
Interessante ainda a manifestação de apoio futuro que Barroso deu a todos os deputados, afirmando que é "preciso coragem" para fazer passar isto nos parlamentos - sem consulta popular, entenda-se.
Ai mundo, mundo...quem te viu e quem te vê!

Anónimo disse...

Pedro, em posts assim, o pacheco pereira tem mais jeito

Pedro Sales disse...

Caro anónimo,

O Pacheco tem mais jeito em posts como estes e em muitos outros, para o bem e para o mal.

Filipe,

Também gostei bastante dessa frase do Rodrigo.

Ant.º das Neves Castanho disse...

Acho inútil clamar pelo Referendo, quando o que está em causa é saber as consequências de um hipotético Referendo: quem defende o Referendo defende apenas o NÃO ao Tratado. Quem defende o Tratado está-se nas tintas para que haja ou não Referendo: mas, se o houver, que digam ao Povo qual o significado supremo do seu voto: do sim, como do não.


Que isto de brincar aos políticos em nome da Democracia não pode ser como os meninos a brincar com o fogo em nome da Liberdade: ainda alguém vai ficar queimado..