24 julho, 2007

Bom senso e bom gosto

Caro João Távora:

Embora esteja longe de concordar consigo, tenho que reconhecer que é coerente. Para si, tanto as caricaturas a Maomé como à família real espanhola são um abuso da liberdade de expressão. Apesar de as achar, a ambas, de nítido mau gosto, não podia estar em maior desacordo. A liberdade de expressão existe para que, em dado momento, alguém tenha o direito de passar as marcas do que se costuma designar por bom senso e publicar coisas que a maioria considera de nítido mau gosto. Sem se preocupar com as consequências geopolíticas ou religiosas do que escreve ou diz.

Da mesma forma que “a paz e a sopa na mesa não é um dado adquirido”, se nos pomos a proibir e a impor respeitinho para a publicação de certos temas já sabemos como é que isto tenderá a acabar. Numa sociedade menos livre e menos plural. Hoje é Maomé, a família real ou a pornografia, amanhã são opiniões políticas e as conversas que temos com o vizinho. O preço para que isso não aconteça é aceitarmos e convivermos com candidaturas como as do PNR, e a sua xenofobia gratuita, ou caricaturas brejeiras sobre matérias que nos indignam.


Adenda: Reparo, agora, que o Luís Naves também respondeu à minha entrada, reiterando, mais coisa menos coisa, o que diz o João Távora. Acrescenta, no entanto, dois argumentos que merecem resposta. O Luís Naves entende que a liberdade de expressão não é um valor absoluto. Eu, por mim, defendo que, por muito abjecta e indigna que seja uma mensagem, nada deve ser feito para a censurar. Nunca. É esse o preço da liberdade de expressão. Se não custasse nada era tudo mais simples, mas, quando falamos de liberdade, não há decisões assépticas. Repare, aliás, que é a censura que lhe dá visibilidade e notoriedade - como este último caso, que se tornou uma discussão mundial, é bom exemplo.

O Luís Naves pergunta, depois, como é que eu acho que se sentiria uma pessoa que é assim enxovalhada? Posso dizer-lhe que imagino bastante bem. Uma pessoa com quem convivo diariamente, e que muito estimo pessoalmente, viu uma recente edição do Inimigo Público dizer que a sua cara é tão feia que os homens preferem fugir da sua presença para beijar um cinzeiro cheio de cinzas. Cito de memoria, mas a ideia era essa. É um insulto gratuito, sem piada nenhuma, que deita abaixo qualquer um. E daí? Embargamos, judicialmente, cada publicação do Inimigo Público que passe das marcas do bom gosto? Não me parece. Claro que não gostamos de ser enxovalhados. Ninguém gosta. E, já reparou, a propósito, como se sentirá o primeiro-ministro, com tudo o que tem sido publicado e desenhado a propósito do seu percurso académico? Não publicamos? Pois é? Quando abrimos uma janelinha não faltam passarinhos a quererem entrar pela frincha.

6 comments:

Anónimo disse...

E viva o absolutismo... Eu tenho medo de fundamentalismos, e é por isso que você me assusta um bocado, Pedro.

Alberto

Anónimo disse...

Essa do "Quando abrimos uma janelinha não faltam passarinhos a quererem entrar pela frincha", faz-me lembrar janelas fechadas com medo das contaminações, e é uma máxima muito aproveitada por certos regimes...

AisseTie disse...

Quando uma provocação ganha notoriedade pela ira dos provocados é a glória. Uma caricatura é quase sempre uma provocação e há que saber reagir,

Anónimo disse...

Pedro Sales, será que a "sacralização" da liberdade de expressão por onde tem ido tanta gente de esquerda não é, de certo modo, uma incoerência? Hipervalorizar a liberdade de expressão num contexto em que, em nome de outras importantes liberdades (liberdade de escolha da mulher para abortar), se vem defender a "absoluta" relatividade dos direitos, e dos valores que lhes estão subjacentes, é, na minha opinião, uma forma errada de colocar a questão. A liberdade de expressão não pode ser um direito absoluto, como nenhum direito o pode ser. Não pode essa liberdade dar guarida a todo o tipo de campanhas, mais ou menos, infames, em que os meios de comunicação alinham, alimentam ou conduzem. Não se trata de censura mas de responsabilidade.

PSR

Pedro Sales disse...

Nos comentários a esta entrada, e também no Corta-fitas, há uma lógica que me escapa. A liberdade de expressão não tem nada a ver com o direito ao bom nome. O bom nome da família real espanhola não foi posto em causa. A revista que foi sequestrada é uma revista satírica, toda a gente o sabe no país vizinho. Não é suposto acreditar no que vem descrito nessa revista.

Outra coisa bem diferente são as campanhas de que fala o anónimo que me antecede. O direito ao bom nome tem legislação bastante rigorosa. Se eu publico uma informação sobre alguém, que sei falsa, ou que não está suportada por factos, e que prejudica a outra pessoa, isso não tem nada a ver com liberdade de expressão. É calúnia. Não foi o que se passou aqui, nem tem nada a ver com a proibição de determinadas expressões políticas estarem proibidas por lei(sim, parece-me completamente descabido que não sejam permitidos partidos fascistas entre nós). O caso Larry Flint é, nesta matéria, sintomático. Mesmo tendo caricaturizado, e denegrido, até ao limite do imaginável o líder evangélico Jerry Falwell, o Supremo Tribunal dos EUA considerou que as suas caricaturas se encontravam abrangidas pela primeira emenda.- que proteje, precisamente, a liberdade de expressão.

Anónimo disse...

"A liberdade de expressão não tem nada a ver com o direito ao bom nome". Por acaso, até tem. A violação do direito ao bem nome faz-se pelo exercício (abusivo, dir-se-á) da liberdade de expressão. E é o próprio Pedro que o reconhece quando, no seu post, num texto, justamente, sobre a liberdade de expressão, faz alusão ao Inimigo Público. O que me parece que é questionável é saber se esse exercício deverá ser, criminal e/ou civilmente, censurado. À partida, lido o seu post, diria que não aceita essa censura. No entanto, o seu comentário final, ao fazer referência à calúnia, deixou-me confuso. Afinal, a liberdade de expressão não é absoluta.

PSR