27 julho, 2007

Dá-lhe Pacheco

"Somos gente pura: os mais novos não sabem o que é a promiscuidade, a minha rapariga se vir a palavra escrita deve achá-la muito comprida e custosa de soletrar: pro-mis-cu-i-da-de (pelo método João de Deus, em tipos normandos e cinzentos às risquinhas, até faz mal à vista!). A promiscuidade: eu gosto. Porque me cheira a calor humano, me sobe em gosto de carne à boca, rne penetra e tranquiliza, me lembra - e por que não ?! - coisas muito importantes (para mim, libertino se o permitem) como mamas, barrigas, pele, virilhas, axilas, umbigos como conchas, orelhas e seu tenro trincar, suor, óleos do corpo, trepidações de bicharada. E a confusão dos corpos, quando se devoram presos pelos sexos e as bocas. E as mãos, que agarram e as pernas, que enlaçam. Máquinas que nós somos, máquinas quase perfeitas a bem dizer maravilhosas, inda que frágeis, como não admirar as nossas peças, molas e válvulas e veias, todas elas animadas por um sopro que lhes parece alheio mas sai do seu próprio movimento, do arfar, dos uivos do animal, do desespero do anjo caído. E a par disso que é o trivial, que é o que cada um, tosco ou aleijado tem para dar e trocar, fatalidades, na sua mísera ou portentosa condição de bicho, a beleza, que é a surpresa, a harmonia das formas, que é a excepção e a inteligência, que é a reminiscência dos deuses."

Continuar a ler um excerto de Comunidade.

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