01 outubro, 2007

Big brother is coding you

PS e PSD aprovaram, na semana passada, a criação de uma base de dados com os perfis de ADN. Se alguém ainda tinha dúvidas de que os portugueses prezam pouco a sua privacidade, e encaram com indiferença e bonomia o acesso das autoridades policiais aos seus dados mais pessoais, a forma como esta questão passou quase despercebida na comunicação social ou na blogosfera é elucidativa.

E há boas razões para preocupação, a maioria delas expressas nas intervenções do Bloco de Esquerda ou do deputado Paulo Rangel. Só o facto do único partido que suporta o governo nesta matéria, o PSD, ter escolhido para intervir um deputado que faz a mais violenta intervenção contra a base de dados já deveria ser, por si mesmo, motivo para preocupação e estranheza.

E não faltam motivos para a inquietação. O acesso à base de dados dispensa autorização judicial, bastando à polícia autorização do presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal. Ao contrário do que defende o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, a lei nada diz sobre a destruição do ADN de arguidos cujo processo tenha sido arquivado ou de suspeitos que entretanto foram absolvidos. Existem ficheiros distintos para os registos civil e criminal, mas, ao mesmo tempo, é permitida a interconexão dos dados de todos os ficheiros(!). Resultado, todos os perfis de ADN são pesquisados para efeitos de investigação criminal e podem também ser transmitidos a outros países, muitos dos quais com legislação nada recomendável.

O governo diz que os marcadores de ADN utilizados não são codificantes, não contendo, portanto, informação médica e comportamental. Mas não divulga a lista desses marcadores antes de serem publicados em portaria, retirando a possibilidade do seu escrutínio público pela oposição e Presidente da República, e não acautela mecanismos de de prudência e acompanhamento sobre a sua evolução. Uma matéria fulcral numa área em constante evolução, como é esta, e onde os avanços científicos podem vir a fornecer “uma associação entre um marcador não codificante e uma doença ou um traço comportamental.”

O ADN é, e será cada vez mais, um precioso instrumento de investigação criminal. Mas, não só não devemos embarcar em mitos sobre a sua infalibilidade, como o acesso e tratamento dos dados deve ser regulado pela máxima transparência. Infelizmente, esta lei é marcada por demasiadas omissões e erros conceptuais numa matéria em que, como diz o CNECV, “face ao carácter sensível da informação (...) os próprios aspectos técnicos se convertem em questões éticas”.

O desenvolvimento futuro da base de dados, e da legislação que regula o seu acesso, é um dos principais problemas resultantes de um processo como este. Como recorda o parecer do Conselho Nacional, “a experiência vivida noutros países europeus, como o Reino Unido ou a França, cujas bases de dados foram inicialmente estabelecidas com finalidades criminais precisas e restritas, mostrou que essas finalidades rapidamente foram sendo alargadas.” De facto, as autoridades inglesas dispõem hoje dos perfis de ADN de 10% da população, a maioria das quais sem nenhum envolvimento em processos criminais. Há duas semanas, o Partido Liberal Democrata estabeleceu como uma das suas principais bandeiras a destruição de todas as amostras de ADN de pessoas que tenham sido absolvidas ou cujo processo tenha sido arquivado.

Convém não esquecer que, ainda há menos de um ano, o ministro da Justiça dizia que "o objectivo é, de forma gradual, inserir toda a população portuguesa na base de dados". O Governo recuou nessa proposta disparata - e totalmente desproporcionada entre os potenciais riscos e benefícios -, mas nada nos garante que, como já aconteceu noutros países, os propósitos da base de dados não venham a ser alargados e não estejamos a discutir a universalidade da mesma daqui a uns tempos. Principalmente se continuar o estranhíssimo silêncio sobre o projecto agora aprovado.

ps: para ficar mais claro, na sequência de um comentário a este post, o ponto sobre os marcadores não codificantes foi alterado.

6 comments:

Anónimo disse...

a mim nao apanham o meu ADN...arre!

João Gaspar disse...

Caro Pedro,

Os marcadores de DNA a utilizar serão publicados em portaria e, por conseguinte, tornar-se-ão públicos na altura, certo?

Pedro Sales disse...

Caro João Gaspar,

Serão, de facto, tornados públicos quando for conhecida a portaria, mas, ao contrário da lei, a portaria não é escrutinada pela oposição ou pelo Presidente da República. Não deixa de ser significativo que o governo remeta matéria com tamanha relevância para o processo legislativo com menor dignidade, de tal forma que nem é possível à oposição solicitar a sua apreciação parlamentar - ao contrário dos decretos de lei. É um expediente cada vez mais usados pelos governos para contornar o Parlamento em matérias mais incómodas. Faz-se a lei e tudo o que é polémico remete-se para posterior publicação em portaria.

Se não é possível escrutinar a sua elaboração, diga-se, de resto, que não há nenhum mecanismo para que a evolução dos marcadores seja acompanhada por qualquer comissão ou pelo Parlamento - como deveria suceder. Pode vir a acontecer, na discussão em especialidade, mas por isso mesmo é que considero importante que não se mantenha o silêncio sobre este projecto.


Em todo o caso, reconheço que esse ponto no meu texto não aparece muito explícito. Vou alterar um pouco essa frase.

... disse...

ADN seriousbusiness

João Gaspar disse...

esclarecidíssimo.

excelente adenda.

discordo de algumas das preocupações em relação ao uso da base de dados de dna, mas o processo tem sido conduzido de forma lamentável, sem dúvida.


cumprimentos,

joão.

Anónimo disse...

I miss the eve isk because i like to meet it. I want to earn the eve online isk to make me strong. I also want to buy isk because I want to give my friends a lot of cheap eve isk, so i have to try my best to get more and more and then i can buy eve online isk to add my stock to have enough money to give my friends.