Quem não deve não teme?
A Junta de Freguesia de São Nicolau prepara-se para instalar 32 câmaras, de alta definição, para vigiar a baixa da cidade de Lisboa. Esta proposta, que geraria um intenso debate público em qualquer país em que os cidadãos tivessem consciência dos seus direitos individuais e prezassem a liberdade, é recebida com indisfarçável alegria pelos portugueses. “Já vem mas é tarde”, diz uma pessoa escutada por um canal televisivo. Outras, estranham mesmo as perguntas do jornalista sobre a potencial colisão destas câmaras com o direito à privacidade.
“Quem não deve não teme”. A máxima popular justifica tudo. Mas essa passividade e despreocupação tem um custo. Nos últimos meses, o Parlamento aprovou legislação para autorizar a videovigilância nos táxis e uma base de dados de ADN que o deputado Paulo Rangel - antes de a votar favoravelmente (!) - definiu como um "gravoso instrumento de biopolítica”. Ainda havemos de ver o cartão único do cidadão com dados biométricos. Tudo, claro, para nos defender. A segurança, como não podia deixar de ser, foi a justificação apresentada pelo presidente da Junta. É uma medida para recuperar o comércio da baixa, como se a crise dos seus comerciantes tivesse alguma coisa a ver com o recrudescimento da criminalidade. As pessoas não deixaram as ruas da baixa por estas serem inseguras, mas porque a geografia comercial se deslocou para as grandes superfícies e os pequenos comerciantes não se conseguiram especializar e valorizar a sua especificidade. Tragam pessoas para a Baixa, em vez de câmaras para as vigiar, e talvez resolvam a questão. Assim, é só mais um passo para o pesadelo orwelliano.
7 comments:
Coloquemos as câmaras ao contrário:
Proponho que se faça um site que acompanhe totalmente as trajectórias profissionais e pessoais dos nossos políticos e administradores da coisa pública: Em que lugares estiveram, durante quanto tempo, quem eram os outros administradores. Que reformas ou indemnizações receberam. Foram sócios de quem. Receberam dinheiro de quem, etc.
Estou convencido que cruzando toda esta informação teríamos algumas surpresas.
Talvez o pesadelo não seja ao jeito de Orwell (mais do que vigiar as pessoas, era preciso controlar as suas mentes e o seu passado) mas mais do género do Processo de Kafka. Ao recolher resmas de informação de cada um, espalhadas por 1001 fontes mais ou menos desconexas, recolhidas, filtradas e misturadas automaticamente, podemos ver-nos perante uma acusação de que não sabemos (tanto o acusador como o acusado) a origem, como foi compilada, e a quem realmente se destina.
De acordo, Six.
Ora vejamos...
Se a culpa da crise no comércio tradicional na baixa de Lisboa não é da falta de poder de compra dos portugueses, das grandes superfícies onde quase toda a gente passou a fazer as compras e em alguns casos, do próprio comécio tradicional (pouco apelativo, ultrapassado e muitas vezes com qualidade mais que duvidosa), então só pode ser da insegurança, dos bandidos quase todos pretos ou de leste, imigrantes ou portugueses(???) filhos de imigrantes...
Logo, a culpa é toda dos imigrantes! Feche-se a fronteira, expulsem-se todos os que se puder e de passagem, bora lá ao Porto dar um arraial de porrada naqueles que ainda há dois dias invadiram a nossa Ilha da Culatra.
Só fico com uma dúvida... Quem raio é que vai fazer o trabalho que os imigrantes agora fazem?
Big Brother is watching you...
"Só fico com uma dúvida... Quem raio é que vai fazer o trabalho que os imigrantes agora fazem?"
Porque não desempregados nacionais, estou certo que aqueles que não têm emprego à mais de 1 ou 2 anos aceitariam de bom grado os "terriveis" trabalhos dos imigrantes.
Ou não conhecem drs atrás de balcões, a fazer limpezas etc. A realidade está na rua.
Em relação às câmaras, se os dados não forem utilizados da mesma forma que os das famosas escutas telefónicas podem na actualidade ser uma ferramenta positiva para garantir a liberdade dos cidadãos.
As marionetes são sempre manobradas com ou sem vigilância por vídeo. Muito bem, vamos supor que tudo isto tem uma boa intenção. Pode até ser, mas é assustador saber que por trás das câmaras está sempre alguém, que não foi mandatado ou eleito por ninguém e que pode ter bem mais poder do que parece à primeira vista. As câmaras são o meio. Mas os fins originados por esse meio podem não ser necessariamente a maior segurança mas um processo refinado de um voyerismo provinciano do qual os portugueses são tão adeptos.
Claro que a insegurança é e deve ser uma preocupação central. Não podermos sair à rua porque temos medo de todos os fenómenos criminais que proliferam nas nossas ruas acaba por ser mais grave que termos medo de abrir a boca a dizer seja o que for para que não nos delatem a um qualquer sistema autoritário. E fechar os olhos a isto pode ser perigoso. Dizer que é apenas uma questão de pobreza também não é correcto. Vivemos numa sociedade que promove toda e qualquer ausência de valores colectivos e que promove o indivíduo. A questão é que o indivíduo tende a ignorar a sociedade que o rodeia, excepto para tudo aquilo onde pode tirar dela proveitos. O crime não é apenas um fenómeno ligado à pobreza e ao desemprego e muito menos uma questão ligada directamente à imigração. É algo muito mais complexo e que parte de muitos factores, muitos dos quais mesmo da natureza humana e da tendência que determinados indivíduos têm para procurar determinados caminhos para determinadas situações. Cada pessoa é um mundo.
Agora, é necessário que se entenda que este voyerismo perigoso pode ser uma das formas de proteger aqueles que, certamente não têm culpa de que estes fenómenos existam e cresçam na sociedade. Ou antes, têm culpa mas não se apercebem disso. Quais são as alternativas reais? Mais vigilância policial? Ainda temos, em alguma esquerda, complexos contra as polícias e também não fica muito bem um estado policial. Na prática, e sem demagogias, como se pode combater este fenómeno complexo da criminalidade?
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